quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Penhora on-line - Direito à privacidade versus Direito à tutela jurisdicional efetiva.

Penhora on-line - Direito à privacidade versus Direito à tutela jurisdicional efetiva - Antinomia jurídica imprópria - Colisão entre Direito à intimidade bancária e Tutela jurisdicional efetiva - Necessidade de se esgotar as outras vias - Ausência de regulamentação - Normas de segurança não instituídas - Convênio Bacen Jud - Faculdade do Juiz - Decisão mantida - Longe de querer obstar a satisfação do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, deve a penhora on-line, pelo sistema Bacen Jud, amoldar-se à proteção constitucional ao direito à privacidade, o qual amolda a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. Entendo que a simples possibilidade de escolha do bem a ser penhorado pelo credor, em caso de não-atendimento à intimação para cumprimento da sentença, não pode permitir que se viole a intimidade bancária e fiscal do executado. Ausentes as normas de segurança, instituídas, sob critérios uniformes, pelos Tribunais, entendo que a medida ainda prescinde de regulamentação, pena de insegurança do próprio Magistrado e das partes. Ressalto a necessidade de normas e critérios uniformes, instituídos pelos Tribunais da Federação, dada a peculiaridade do sistema. Em que pesem as inovações trazidas pela Lei nº 11.382/2006, que, ademais, dispõe que a constrição se dará preferencialmente, e não obrigatoriamente, por meio eletrônico, ressalto que não se pode exigir do Juízo a utilização do Sistema Bacen Jud, porquanto se trata de faculdade, e não de obrigação, do Julgador, que precisa inclusive possuir cadastro próprio para poder utilizar esse recurso eletrônico. Agravo não provido (TJMG - 10ª Câm. Cível; AI nº 1.0480.07.099500-0/001-Patos de Minas-MG; Rel. Des. Cabral da Silva; j. 29/7/2008; v.u.).

ACÓRDÃO
Acorda, em Turma, a 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em negar provimento.

Belo Horizonte, 29 de julho de 2008

Cabral da Silva
Relator


RELATÓRIO


Trata-se de Agravo de Instrumento com pedido de efeito suspensivo ativo, interposto por T.A. Ltda. em face de decisão de fls. 21-TJ que indeferiu o pedido de penhora on- line.
Alega a agravante, em síntese, que, consoante o regramento processual dos arts. 655 e seguintes do codex processual civil, a penhora de dinheiro será preferencialmente realizada, havendo a legislação permitido a chamada penhora on-line. Afirma que a execução até o momento restou infrutífera, visto que não foram encontrados bens passíveis de penhora. Afirma que é dispensável a comprovação de que a exeqüente esgotou os meios disponíveis para a localização de outros bens.
Em despacho inicial de fls. 43-44, indeferi o efeito ativo pretendido.
Intimada por carta com aviso de recebimento, não apresentou contraminuta (fls. 53).
Informações do Juízo a quo, em fls. 51-52, mantendo a r. decisão
agravada.
Este é o breve relatório.
VOTO
Prescrevem os arts. 655 e 659, § 6º, do CPC, alterados pela Lei nº
11.382/2006:
“Art. 655-A - Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira, o Juiz, a requerimento do exeqüente, requisitará à autoridade supervisora do sistema bancário, preferencialmente por meio eletrônico, informações sobre a existência de ativos em nome do executado, podendo no mesmo ato determinar sua indisponibilidade, até o valor indicado na execução.”
“Art. 659 - §6º - Obedecidas as normas de segurança que forem
instituídas, sob critérios uniformes, pelos Tribunais, a penhora de numerário e as averbações de penhoras de bens imóveis e móveis podem ser realizadas por meios eletrônicos.”
Assim, ausentes as normas de segurança, instituídas, sob critérios
uniformes, pelos Tribunais, entendo que a medida ainda prescinde de regulamentação, pena de insegurança do próprio Magistrado e das partes. Ressalto a necessidade de normas e critérios uniformes, instituídos pelos Tribunais da Federação, dada a peculiaridade do sistema.
Neste sentido já se pronunciou esta Eg. Câmara:
“Ação de Execução. Penhora online. Utilização do Convênio Bacen Jud. Impossibilidade da medida. Não se admite a penhora on-line pelo Sistema Bacen Jud em face da necessidade da prática do ato pelos meios previstos no CPC. Recurso não provido” (Ag n° 1.0569.05.003790-6/001- Comarca de Sacramento; Rel. Des. Roberto Borges de Oliveira; j. 20/3/2007; v.u.).
“Agravo de Instrumento. Execução. Penhora on-line. Sistema Bacen Jud. Impossibilidade. Através do sistema eletrônico Bacen Jud, permite-se ao Juiz de Direito, pela Internet, mediante senha criptografada, solicitar ao Banco Central do Brasil informações sobre a existência de contas-correntes e aplicações financeiras, determinações de bloqueio e desbloqueio de contas e comunicações de decretação e extinção de falências, envolvendo pessoas físicas e jurídicas clientes do Sistema Financeiro Nacional. Não foi permitido, através deste Convênio, que o Magistrado realizasse a chamada penhora on-line, até porque a penhora é ato privativo do Oficial de Justiça. Agravo não provido” (Ag n° 1.0024.00.128423-1/001-Comarca de Belo Horizonte; Rel. Des. Pereira da Silva; j. 16/1/2007).
Assim, em face da ausência de normas de segurança concretas, claras e instituídas sob critérios uniformes pelos Tribunais, entendo que a medida não pode ser efetivada, a priori.
Lado outro, em que pesem as inovações trazidas pela Lei nº 11.382/ 2006, que, ademais, dispõe que a constrição se dará preferencialmente, e não obrigatoriamente, por meio eletrônico, ressalto que não se pode exigir do Juízo a utilização do Sistema Bacen Jud, porquanto se trata de faculdade, e não de obrigação, do Julgador, que precisa inclusive possuir cadastro próprio para poder utilizar esse recurso eletrônico.
Como bem destacado pelo Exmo. Sr. Desembargador D. Viçoso Rodrigues, Relator do Agravo de Instrumento n° 1.0024.00.033755-0/001-Comarca de Belo Horizonte:
“(...) A penhora on-line é resultado de um convênio de cooperação técnico-institucional firmado entre o Banco Central do Brasil, o STJ e o Conselho de Justiça Federal, para fins de acesso ao Sistema Bacen Jud, ao qual este Tribunal de Justiça de Minas Gerais aderiu, conforme Ofício Circular nº 74/Siscon/2002 e Ofício Circular nº 24/CGI/2005, permitindo
aos órgãos jurisdicionais solicitar, de forma mais ágil, informações sobre a existência de contascorrentes e aplicações financeiras, bem como determinar o bloqueio de numerários para pagamento da dívida.
Todavia, não obriga o Magistrado a cadastrar senha individual de acesso e consultar a existência de contas do devedor no sistema bancário, podendo o Juiz optar pela expedição de ofício ao Banco Central do Brasil. (...) Agravo de Instrumento. Penhora online. Convênio de cooperação entre stj e Bacen. Faculdade do Juiz. Não
havendo lei que determine, o Juiz não pode ser constrito a se habilitar e utilizar o Sistema Bacen Jud, tratando- se, pois, de mera faculdade” (Agravo n° 1.0024.00.033755-0/001- Comarca de Belo Horizonte; Rel. Des. D. Viçoso Rodrigues; j. 4/12/2006; v.u.).
Neste sentido:
“Agravo de Instrumento. Execução Fiscal. Magistrado não habilitado no Sistema Bacen Jud.
Improcede a pretensão recursal tendente a ordenar que o Magistrado a quo se inscreva junto ao Banco Central do Brasil, habilitando-se no Sistema Bacen Jud, vez que se trata de faculdade daquele. Recurso conhecido, mas não provido” (TJMG;
Processo n° 1.0569.05.002232-0/001; Rel. Albergaria Costa; j. 9/3/2006).
“Agravo de Instrumento. Penhora on-line. Sistema inseguro. Sigilo bancário. Risco de violação. Convênio Bacen Jud. Faculdade do Juiz. Decisão mantida. Não há como obrigar o Juiz a se cadastrar e utilizar o Sistema Bacen Jud, sobretudo porque não há lei que assim o determine” (TJMG; Processo n° 1.0024.99.079814-2/001; Rel. Irmar Ferreira Campos; j. 3/8/2006).
Sobre o tema, já se manifestou o Eg. TJRS:
“Agravo de Instrumento. Direito privado não especificado. Bacen
Jud. Penhora. Embora recomendável, a utilização do Sistema Bacen Jud, que permite a penhora on-line de valores disponíveis em contas do devedor, não se pode compelir os Magistrados a utilizar tal sistema, tratando-se de opção do Juízo. Em decisão monocrática, nego seguimento ao Agravo de Instrumento” (AI nº 70016904302; 20ª Câm. Cível; TJRS; Rel. Glênio José Wasserstein Hekman; j. 19/9/2006).
“Agravo de Instrumento. Execução de sentença. Honorários. Penhora online. Utilização facultativa. A penhora on-line, por enquanto, é de utilização facultativa pelo Juiz da causa, podendo
ele preferir não se cadastrar no Sistema Bacen Jud. Como a penhora de valores já foi deferida e não tendo a agravante conta-corrente na Comarca do Juízo, possível o cumprimento da medida via carta precatória. Negado seguimento ao Agravo”
(AI nº 70016251647; 10ª Câm. Cível; TJRS; Rel. Luiz Ary Vessini de Lima; j. 28/7/2006).

“Agravo de Instrumento. Decisão monocrática. Execução. Indeferimento de pedido de penhora on-line através do Sistema Bacen Jud. Impossibilidade de impor ao Magistrado a adoção da medida em tela por constituir-se uma faculdade sua. Negado seguimento ao Recurso” (AI nº 70018312819; 11ª Câm. Cível; TJRS; Rel. Luís Augusto Coelho Braga; j. 16/3/2007).
“Agravo Interno. Agravo de Instrumento. Ação de Execução. Indeferimento de pedido de penhora online, por meio do Sistema Bacen Jud. Constitui-se de mera faculdade o Juiz da causa adotar o Sistema Bacen Jud. Viabilidade jurídica, mediante acordo celebrado entre o Tribunal de Justiça e o Banco Central, a fim de acelerar e facilitar a atividade jurisdicional. Não há como impor ao Magistrado a prática do ato jurídico desta natureza. Também não se pode olvidar de dispor a agravante de outros meios para a verificação de existência de numerário em nome dos sócios em contas-correntes (via ofício), a ser requerida junto ao Juízo da execução. Ademais, não tendo a recorrente trazido aos Autos agora, por ocasião do Agravo Interno, nenhuma situação ou fato novo capaz de modificar a decisão recorrida, esta deve ser mantida. Negaram provimento ao Agravo Interno. Unânime”
(Agravo nº 70018345090; 18ª Câm. Cível; TJRS; Rel. Mário Rocha Lopes Filho; j. 8/3/2007).
Não é de outro modo que, longe de querer obstar a satisfação do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, deve a penhora on-line pelo Sistema Bacen Jud amoldar-se à proteção constitucional ao direito à privacidade, o qual amolda a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. Entendo que a simples possibilidade de escolha do bem a ser penhorado pelo credor, em caso de não-atendimento à intimação
para cumprimento da sentença, não pode permitir que se viole a intimidade bancária e fiscal do executado.
O Supremo Tribunal Federal, analisando hipótese de quebra do sigilo bancário em investigação criminal, entendeu que:
“A quebra de sigilo não pode ser manipulada, de modo arbitrário, pelo Poder Público ou por seus agentes. É que, se assim não fosse, a quebra de sigilo converter-se-ia, ilegitimamente, em instrumento de busca generalizada e de devassa indiscriminada da esfera de intimidade das pessoas, o que daria ao Estado, em desconformidade com os postulados que informam o regime democrático, o poder absoluto de vasculhar, sem quaisquer limitações, registros sigilosos alheios. (...) Para que a medida excepcional da quebra de sigilo bancário não se descaracterize em
sua finalidade legítima, torna-se imprescindível que o ato estatal que a decrete, além de adequadamente fundamentado, também indique, de modo preciso, dentre outros dados essenciais, os elementos de identificação do correntista (notadamente o número de sua inscrição no CPF) e o lapso temporal abrangido pela ordem de ruptura dos registros sigilosos mantidos por instituição financeira. Precedentes” (HC nº 84.758; Rel. Min. Celso de Mello; j. 25/5/2006; DJ de 16/6/2006).
Ora, no presente caso, verifico a ocorrência de típica antinomia jurídica imprópria, a qual pesam os princípios envolvidos na dimensão da importância. Tomando-se como pressuposto que as normas constitucionais que protegem a privacidade, in casu em sua faceta denominada intimidade, e a efetiva tutela jurisdicional
são válidas, deve-se decidir a questão diante do caso concreto, analisando as suas especificidades e aplicando o procedimento denominado ponderação de valores. Tal procedimento, em atendimento ao Princípio da Harmonização ou Concordância Prática, restringirá a aplicação de determinada norma, diante do caso concreto, procurando, entretanto, não afastar integralmente a outra com a qual colide.
No presente caso, entendo ser aplicável a Lei de Colisão, criada
por Robert Ale xy. Esta pretende adequar a conclusão ao pressuposto fático que a antecede. No caso concreto, na colisão entre o direito à privacidade (dos dados bancários) e o direito à tutela jurisdicional efetiva, observado que não houve qualquer tentativa do credor de encontrar outros bens que possam satisfazer seu crédito sem a violação da intimidade bancária do devedor, entendo que não poderá ser deferido, como primeira providência constritiva, o bloqueio de numerário com a violação
da intimidade bancária.
Outra conclusão chegaria se já estivesse comprovado que o devedornão possui outros bens ou que estivesse utilizando de ardis para não se submeter à execução.
Com estes fundamentos, nego provimento ao Recurso, mantendo a decisão primeva pelos seus próprios fundamentos.
Custas recursais, pela agravante.
Votaram de acordo com o Relator os Desembargadores: Marcos
Lincoln e Alberto Aluízio Pacheco de Andrade.
Súmula: negaram provimento.

Nenhum comentário:

Postar um comentário