quinta-feira, 6 de junho de 2013

TSE abre brecha na Lei da Ficha Limpa

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) abriu precedente para que candidatos que estejam próximos do fim do período de inelegibilidade da Lei da Ficha Limpa possam ser eleitos. Em julgamento na noite de anteontem, os ministros decidiram, por quatro votos a dois, permitir que o político que cause a anulação de uma eleição participe de nova votação - quando já não estará mais inelegível. 

Até então, a justiça eleitoral proibia que o candidato que invalidou a disputa - o que ocorre quando mais de 50% dos votos são anulados por decisão judicial - pudesse participar da renovação da disputa. A mudança ocorreu no julgamento da candidatura do ex-deputado Décio Gomes (PT), eleito prefeito Balneário Rincão (SC). 

Ex-prefeito de Criciúma, ele foi condenado por abuso de poder em 2004, quando tentava a reeleição. A pena de inelegibilidade duraria três anos, mas a Ficha Limpa aumentou a punição para oito anos, até 2012. Contestando a mudança, Gomes concorreu sub judice em outubro e venceu com 50,3% dos votos, mas, depois da eleição, o TSE confirmou o indeferimento e anulou o resultado. 

A nova votação foi marcada para março, quando a inelegibilidade já tinha acabado. Desta vez, o Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina deferiu a candidatura e o petista foi eleito com 52% dos votos. O adversário recorreu ao TSE. Votaram a favor do deferimento a relatora, ministra Laurita Vaz, e os ministros Castro Meira, Luciana Lóssio e Dias Toffoli. Foram contra Marco Aurélio Mello e Cármen Lúcia. 

Para a relatora, "é facultado ao candidato concorrer com o seu registro indeferido e sub judice" e, por isso, não se aplicaria a jurisprudência de que o candidato que causa a anulação não pode concorrer na renovação da disputa. Marco Aurélio foi contra: "Como alguém que deu margem à insubsistência dessa eleição se apresenta para concorrer ao novo pleito só porque aquele período de inelegibilidade de oito anos cessou?". 

O advogado de Gomes, Mauro Prezotto, defende que o resultado não prejudica a Ficha Limpa. "Décio não cometeu nenhum ato ilícito para anular a eleição, como compra de voto ou abuso de poder. Exercia apenas o direito de concorrer enquanto ainda não havia decisão definitiva", afirmou. 

Advogado da coligação adversária, Pierre Vanderlinde afirma que o TSE criou precedente "perigoso". "Abriu a porta para que políticos com a ficha suja busquem provocar nova eleição para que possam concorrer." Para ele, a decisão vai permitir que candidatos indeferidos em 2008 concorram já em 2016 - antes, eles só estariam elegíveis em 2018. 

Criador da Ficha Limpa, o juiz Márlon Reis afirma que o TSE ainda pode mudar o entendimento. "Isso ocorre com leis novas. Na que proibiu a compra de votos foi igual. No começo o TSE entendia que quem comprasse votos podia participar da renovação da eleição, mas depois mudou de tese ao ver que isto ocorria reiteradamente." 

Raphael Di Cunto - De São Paulo

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Câmara vota projeto que limita poderes da Justiça Eleitoral

Os líderes da Câmara dos Deputados decidiram ontem pôr em votação na próxima semana um projeto de lei que diminui a influência da Justiça nas campanhas eleitorais e nas atividades partidárias; institui a pré-campanha no país e altera regras para doações eleitorais. Se aprovada a tempo, as regras já valem para 2014. 

O projeto decorre de um grupo de trabalho para alterações na legislação eleitoral, coordenado pelo ex-líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP). Mas tem em seu teor sugestões dos mais diversos partidos. 

As regras que mais chamam a atenção são as que tentam restringir o papel da Justiça no cotidiano da atividade política, partidária e eleitoral. Por exemplo, a não aprovação das contas eleitorais não mais impede a Justiça de fornecer a certidão de quitação eleitoral, necessária para o registro da candidatura. 

"A quitação eleitoral tem que ser apenas o cidadão votar e apresentar contas. Se a conta for rejeitada e posteriormente for verificado dolo [intenção de cometer crime eleitoral] ou abuso de poder econômico, tem outros itens da lei que punem isso", disse Vaccarezza. 

Coube ao PT e ao DEM propor que o fundo partidário possa ter por destino o pagamento de multas e débitos imputados judicialmente ao partido, inclusive os decorrentes de processos de prestação de contas. 

O líder do PR, Anthony Garotinho (RJ), sugeriu a possibilidade de um grande parcelamento das multas aplicadas pela Justiça: até 60 meses, desde que cada parcela não ultrapasse, no caso de pessoa física, o limite de 10% de seus rendimentos. 

Por sugestão do PSDB, a Justiça Eleitoral, ao analisar as contas partidárias, deverá identificar apenas a origem e destinação das receitas mediante o exame formal dos documentos contábeis e fiscais apresentados pelos partidos. Fica proibida de fazer a análise das atividades político-partidárias como forma de avaliar como os recursos foram utilizados. 

Em ação conjunta, PMDB e PSDB propuseram o fim dos recibos eleitorais, documentos que os doadores de campanha e os beneficiados devem incluir na prestação de contas para que a Justiça faça seu cotejamento. Se aprovada a lei, tudo será feito via movimentação financeira em uma conta bancária. 

Os dois partidos também incluíram no projeto de lei que o recebimento de doação por empresas concessionárias ou permissionárias de serviço público somente acarretará sanções ao recebedor se o montante recebido não for transferido ao Fundo Partidário até o prazo de entrega da declaração de contas. 

O texto permite ainda que as cooperativas cujos cooperados não sejam concessionários ou permissionários de serviços públicos, desde que não estejam sendo beneficiadas com recursos públicos, possam ser doadores de campanha. 

A pré-campanha também passa a ser permitida no país. Os pré-candidatos poderão se manifestar pela internet e realizar atividades típicas de pré-campanha, como declarações públicas de suas pretensões. Também poderão ser feitas manifestações de apoio a partidos e a pré-candidatos, desde que não haja pedido explícito de votos. 

Caio Junqueira - De Brasília

Sonegação pode atingir 23,9% da arrecadação

A sonegação de tributos - impostos, taxas e contribuições - chega a 23,9% da arrecadação federal, estadual e municipal, segundo cálculo do relatório "Sonegação no Brasil - Uma estimativa do desvio da arrecadação" do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz). Isso representa 8,4% do Produto Interno Bruto (PIB) ou R$ 349,8 bilhões que deixaram de ser recolhidos aos cofres públicos, levando em conta dados de 2011 - ano mais recente com dados consolidados da Receita Federal. 

"A alta carga tributária acaba fomentando uma alta sonegação também. Somado a isso, tem uma insatisfação de maneira geral com o Estado em termos de prestação de serviços", disse Allan Titonelly Nunes, presidente do Sinprofaz. Na avaliação dele, há espaço para reduzir a carga tributária - que chegou a 35,5% do PIB em 2011 - sem atingir significativamente a arrecadação. 

Países com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) semelhante ao do Brasil têm aproximadamente metade da carga tributária, de acordo com o estudo. 

Nunes ressaltou que os maiores sonegadores não são os brasileiros de baixa renda, uma vez que gastam a maior parte do orçamento com consumo, que já é taxado, e não têm como fugir da tributação. "A população não percebe que quem tem menos condições não consegue sonegar", afirmou. Segundo ele, empresas e pessoas físicas de renda mais alta são os maiores responsáveis pela evasão fiscal. 

Para compor a taxa média de sonegação, os economistas e advogados tributarias contratados para fazer o estudo usaram estimativas individuais para determinados tributos, como Imposto sobre Produtos industrializados (IPI), Imposto de Renda (IR) e Imposto sobre Serviços (ISS). 

Na abertura da média, o estudo aponta que a sonegação de IR chegou a 30,3%, enquanto a taxa para IPI foi maior, de 33,4%. Outros exemplos são: Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), 16,6%; contribuição previdenciária, com 27,8%; e de 25% para o ISS. 

O relatório "Sonegação no Brasil" ao qual o Valor PRO, serviço de informações em tempo real do Valor, teve acesso será divulgado hoje, junto com o lançamento do portal sonegometro.com, em que o Sinprofaz apresentará - como feito pelo impostômetro da Associação Comercial de São Paulo - a medição constante do que deixa de ser arrecadado por sonegação. 

Thiago Resende - De Brasília

terça-feira, 4 de junho de 2013

TRT proíbe terceirização nos Correios

A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) foi proibida pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 10ª Região (Distrito Federal e Tocantins) de contratar funcionários terceirizados para realizar atividades de carteiro e agentes de distribuição. A empresa informou que vai recorrer da decisão ao Tribunal Superior do Trabalho (TST).
A determinação atende a um pedido da Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos (Fentect) e vale para todo o Brasil a partir da publicação do acórdão. Não há data para que isso ocorra.
No julgamento realizado no dia 29, os desembargadores da 2ª Turma do TRT entenderam ser ilegal contratar terceirizados para as atividades-fim da empresa, como recebimento, triagem, encaminhamento e transporte de cartas.
Além de proibir a terceirização, o TRT vedou a abertura de novos editais de contratação sem concurso público sob pena de multa de R$ 1 milhão por contrato assinado ou edital publicado. Foi determinada ainda a dispensa dos terceirizados já contratados.
Segundo informações dos Correios no processo, o quadro de terceirizados representa 8% dos quase 120 mil funcionários. A empresa afirma ainda em nota que os terceirizados trabalham temporariamente em períodos como o Dia das Mães, Dia das Crianças, Natal e em operações como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em razão do aumento da demanda. "Os Correios não terceirizam sua atividade-fim", diz a ECT, acrescentando que mais de 15 mil carteiros e operadores de triagem foram contratados por concurso público nos últimos dois anos e meio.
A Fentect alega, porém, que há abuso na contratação de terceirizados. "Enem e datas comemorativas ocorrem todos os anos. Nos parece falta de planejamento da empresa", afirma o advogado Adovaldo Filho, do escritório Alino & Roberto e Advogados, que representa a entidade.
Segundo o advogado, nos últimos anos foram abertos editais em nove Estados. Em junho de 2012, por exemplo, os Correios abriram quase 16 mil vagas para terceirizados no Rio de Janeiro. "Os postos eram destinados à realização de atividade-fim da ECT", diz.
Além do procedimento ser mais rápido e simples, o custo do trabalhador terceirizado pode explicar a preferência, avalia Adovaldo Filho. "O funcionário público tem todas as garantias trabalhistas previstas na legislação, enquanto a contratação do terceirizado é precária e com remuneração menor", afirma.
Bárabara Pombo

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Liberdade de imprensa e inviolabilidade da honra e da intimidade das pessoas: o conflito entre o direito individual e o coletivo

É praticamente diária a veiculação de matérias jornalísticas a respeito de investigações, suspeitas e escândalos envolvendo figuras públicas – como magistrados, deputados, senadores, governadores e empresários –, que despertam o interesse da população. 

O que interliga as publicações na mídia aos processos que chegam ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) é a discussão sobre a existência de dano, e consequente necessidade de reparação civil, provocada pelo confronto entre dois direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal: acesso à informação e inviolabilidade da intimidade e da honra das pessoas. 

Se de um lado os veículos defendem seu direito-dever de informar, de tecer críticas e de estabelecer posicionamentos a respeito de temas de interesse da sociedade, de outro lado, aqueles que foram alvo das notícias sentem que a intimidade de suas vidas foi devassada, e a honra, ofendida. 

Harmonização de direitos 

A Constituição garante em seu artigo 5º, inciso X, que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. 

Assegura, no mesmo artigo, a liberdade de manifestação do pensamento, vedado o anonimato; a liberdade da expressão da atividade intelectual e de comunicação, independentemente de censura ou licença, e o acesso de todos à informação. 

Diz também, no artigo 220, que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação não sofrerão qualquer restrição, sob qualquer forma, processo ou veículo. 

Quando esses direitos constitucionalmente assegurados entram em conflito e estabelecem o pano de fundo de alguns processos judiciais, “a solução não se dá pela negação de quaisquer desses direitos. Ao contrário, cabe ao legislador e ao aplicador da lei buscar o ponto de equilíbrio onde os dois princípios mencionados possam conviver, exercendo verdadeira função harmonizadora”, afirmou a ministra Nancy Andrighi, no julgamento do REsp 984.803. 

Limites 

De acordo com o ministro Raul Araújo, integrante da Quarta Turma, a análise da incidência ou não de reparação civil por dano moral a direitos de personalidade depende do exame de cada caso concreto. 

Para o ministro, a liberdade de expressão, compreendendo a informação, opinião e crítica jornalística, por não ser absoluta, encontra algumas limitações ao seu exercício, compatíveis com o regime democrático. Araújo apontou que entre elas estão o compromisso ético com a informação verossímil; a preservação dos chamados direitos de personalidade, entre os quais se incluem os chamados direitos à honra, à imagem, à privacidade e à intimidade; e a vedação de veiculação de crítica jornalística com intuito de difamar, injuriar ou caluniar a pessoa (REsp 801.109). 

Esse entendimento foi aplicado no julgamento do recurso da Editora Abril contra acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) que fixou indenização por danos morais a ser paga a magistrado por ofensa à sua honra em notícia publicada pela revista Veja. 

A notícia criticou a atuação da autoridade, por meio da divulgação de supostas irregularidades em sua conduta funcional. Além disso, mostrou que a CPI do Judiciário havia encontrado indícios da prática de crimes, como prevaricação, abuso de poder e improbidade administrativa, cometidos pelo magistrado. 

Crítica ácida não é abuso 

No STJ, o acórdão do TJDFT sofreu reforma. Os ministros decidiram que não houve abuso no exercício da liberdade de imprensa, pois, segundo eles, a “ácida” crítica foi baseada em levantamentos de fatos de interesse público e principalmente por ter sido feita em relação a caso que ostenta “gravidade e ampla repercussão social”. 

Para o ministro Raul Araújo, relator do recurso, a divulgação de notícia sobre atos ou decisões do Poder Público, ou de comportamento dos seus agentes, a princípio, não configura abuso da liberdade de imprensa, desde que não seja referente a um núcleo essencial da intimidade e da vida privada da pessoa ou que não prevaleça o intuito de difamar, injuriar ou caluniar. 

Segundo o relator, é assegurado ao jornalista emitir opinião e formular críticas, mesmo que “severas, irônicas ou impiedosas”, contra qualquer pessoa ou autoridade, desde que narre fatos verídicos. “Porém, quando os fatos noticiados não são verdadeiros, pode haver abuso do direito de informar por parte do jornalista”, afirmou Raul Araújo. 

Ao analisarem o recurso da Editora Abril, os ministros entenderam que houve dano moral, visto que o sofrimento experimentado pelo magistrado estava evidente. Porém, ressaltaram que esse fator não era suficiente para tornar o dano indenizável. 

Missão de informar 

Os ministros também entenderam que o veículo apenas cumpriu a missão de informar, ao julgar o REsp 1.191.875, da relatoria do ministro Sidnei Beneti. O Jornal o Dia teceu críticas à atitude de um magistrado (então presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – TJRJ) que foi fotografado ao lado de um empresário preso pela Polícia Federal, acusado dos crimes de tráfico de influência e de desvio de recursos públicos. 

O magistrado ajuizou ação de indenização, que foi julgada improcedente em primeiro grau. Na apelação, o TJRJ reverteu a decisão e condenou o jornal a indenizar a autoridade em R$ 5 mil. No STJ, a Terceira Turma reformou a decisão de segundo grau e afirmou não ter sido configurada atividade moralmente ofensiva, mas mera notícia jornalística. 

Para os ministros, não houve qualquer intenção de ofender ou de lesar moralmente a autoridade, mas apenas de retratar o sentimento da sociedade diante de um fato incomum: o presidente de um tribunal de justiça posar para foto ao lado de um acusado de envolvimento em crimes de tráfico de influência e de desvio de dinheiro público. Nesse caso, decidiram que não houve “ânimo ofensivo” na crítica por parte da imprensa e que faltou dolo específico, necessário à configuração do dano moral. 

Sensacionalismo 

No julgamento de um recurso especial da Infoglobo Comunicações, editora do jornal O Globo, o ministro Antonio Carlos Ferreira, da Quarta Turma, considerou de caráter sensacionalista reportagem sobre um desembargador fluminense. Essa condição gerou a obrigação de reparar o dano causado (REsp 645.729). 

O jornal divulgou notícia sobre a concessão da entrevista do magistrado à revista G Magazine, fazendo crer que esse ato estaria revestido de uma conduta ilícita ou imoral. Também insinuou que, em virtude desse fato, a cúpula do tribunal de justiça queria deportá-lo para Portugal. Informação falsa, já que o magistrado havia sido contemplado com uma bolsa de estudos nesse país. 

Os ministros da Quarta Turma concluíram que mesmo não tendo havido dolo em macular a imagem da autoridade, no mínimo houve a culpa pelo teor sensacionalista da nota publicada, o que extrapola o exercício regular do direito de informar. Assim, os ministros concordaram com o dever de indenizar, mas deram parcial provimento ao recurso da editora para reduzir de R$ 100 mil para R$ 50 mil o valor dos danos morais. 

Segundo o ministro Antonio Carlos, é pacífica a jurisprudência no sentido de que o STJ pode alterar o valor dos danos morais quando fixados de maneira exagerada, sem que isso implique revolvimento do conteúdo fático-probatório. 

Injúria 

Ao julgar o REsp 1.068.824, os ministros do STJ também consideraram que a imprensa extrapolou o dever de informar. O recurso foi interposto pela Editora Abril contra acórdão do TJRJ que condenou a editora ao pagamento de indenização a ex-presidente da República por danos morais. 

A revista Veja publicou matéria jornalística referindo-se ao ex-presidente Fernando Collor de Mello como “corrupto desvairado” e, de acordo com o ministro Sidnei Beneti, relator do recurso, não se tratou de “pura crítica”, suportável ao homem público, mas sim, de injúria. 

A injúria, tipificada no artigo 140 do Código Penal, de acordo com o ministro Beneti, possui reduzida margem de defesa entre as modalidades de crime contra a honra, “pois não admite exceção de verdade”. Segundo o ministro, a injúria materializa-se na própria exteriorização oral, escrita ou fática de palavras aptas a ofender. 

Para o ministro, poucas hipóteses excluem a responsabilidade pela injúria: “a prolação de palavras em revide imediato, ou em momento de ânimo exacerbado, evidentemente não se aplica ao caso da escrita por profissional categorizado, perito na arte de usar as palavras com extensão e compreensão correspondentes às ideias nelas contidas”. 

Veracidade e interesse público 

Para ministra Nancy Andrighi, “a liberdade de informação deve estar atenta ao dever de veracidade, pois a falsidade dos dados divulgados manipula, em vez de formar a opinião pública”. Deve atender também ao interesse público, “pois nem toda informação verdadeira é relevante para o convívio em sociedade” (REsp 896.635). 

No REsp 1.297.567, os ministros da Terceira Turma discutiram a potencialidade ofensiva de reportagem publicada em jornal de grande circulação, que apontou envolvimento ilícito de magistrado com empresário ligado ao desabamento do edifício Palace II, no Rio de Janeiro. 

Na matéria constou que, de acordo com informações da Polícia Federal e do Ministério Público, o juiz teria beneficiado o ex-deputado Sérgio Naya em ação relativa às indenizações das vítimas do acidente. 

O recurso foi interposto pela Infoglobo Comunicação e Participações contra acórdão do TJRJ que reconheceu excesso na matéria veiculada e ofensa à honra do juiz, condenando a empresa ao pagamento de indenização por danos morais. 

No STJ, o entendimento do segundo grau foi reformado. A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, decidiu que o veículo foi diligente na divulgação e não atuou com abuso ou excessos. Atendeu ainda ao dever de veracidade e de relevância ao interesse público. 

De acordo com a ministra, “a sociedade tem o direito de ser informada acerca de investigações em andamento sobre supostas condutas ilícitas praticadas por magistrado que atua em processo de grande repercussão nacional, ligado ao desabamento do edifício Palace II”. 

Para os ministros da Turma, a matéria deixa claro que as informações tiveram como fonte as investigações da Polícia Federal e do Ministério Público, além de mencionar investigação perante o Conselho da Magistratura. “Ainda que posteriormente o magistrado tenha sido absolvido das acusações, quando a reportagem foi veiculada, as investigações mencionadas estavam em andamento”, ressaltaram. 

Fontes confiáveis 

Segundo Nancy Andrighi, o veículo de comunicação afasta a culpa quando busca fontes fidedignas, exerce atividade investigativa, ouve as partes interessadas e não deixa dúvidas quanto à veracidade do que divulga. 

Entretanto, a ministra lembra que esse cuidado de verificar a informação antes de divulga-la não pode chegar ao ponto de impedir a veiculação da matéria até que haja certeza “plena e absoluta” da sua veracidade, sob pena de não conseguir cumprir sua missão, que é informar com celeridade e eficácia. 

Na Quarta Turma, o entendimento é o mesmo. De acordo com o ministro Luis Felipe Salomão, “o dever de veracidade ao qual estão vinculados os órgãos de imprensa não deve consubstanciar-se dogma absoluto, ou condição peremptoriamente necessária à liberdade de imprensa, mas um compromisso ético com a informação verossímil, o que pode, eventualmente, abarcar informações não totalmente precisas” (REsp 680.794). 

Revisão de indenização 

Para caracterização do dano moral é necessário que haja distorção da verdade ou ânimo de ofender. O valor da indenização é passível de revisão pelo STJ quando for irrisório ou exorbitante, sem que isso implique análise de matéria fática (REsp 693.172). 

A revisão do valor da indenização por dano moral foi o cerne de dois recursos da relatoria do ministro Raul Araújo: o REsp 863.933 e o REsp 685.933. Neles os ofendidos pediam a elevação do valor arbitrado pelos tribunais de origem. 

Para o ministro Raul Araújo, é inadmissível, em regra, utilizar-se do recurso especial para examinar valor fixado a título indenizatório. “Todavia, em hipóteses excepcionais, a jurisprudência deste Tribunal tem autorizado a reavaliação do montante arbitrado nas ações de reparação de dano, quando for verificada a exorbitância ou o caráter irrisório da importância, flagrante ofensa aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade”, afirmou (REsp 863.993). 

O ministro Aldir Passarinho Junior, atualmente aposentado, resumiu o tema da seguinte forma: “a intromissão do Superior Tribunal de Justiça na revisão do dano moral somente deve ocorrer em casos em que a razoabilidade for abandonada, denotando um valor indenizatório abusivo, a ponto de implicar enriquecimento indevido, ou irrisório, a ponto de tornar inócua a compensação pela ofensa efetivamente causada” (REsp 879.460). 

Inaplicabilidade da Lei de Imprensa 

A discussão sobre a existência do dano moral e a necessidade de reparação é regida pelo Código Civil, que, em seu artigo 186, estabelece os pressupostos básicos da responsabilização civil. O código diz que comete ato ilícito aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que seja de ordem exclusivamente moral. No artigo 927, o código fixa a obrigação da reparação ao causador do dano. 

A Lei 5.250/67 (Lei de Imprensa), apesar de mencionada com frequência nos recursos julgados pelo STJ, não foi recepcionada pela Constituição Federal. Porém, como o entendimento foi declarado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) – na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 130 – apenas no ano 2009, ela foi utilizada para fundamentar as ações até aquela data. 

O ministro Sidnei Beneti é categórico ao afirmar a impossibilidade de extração de fundamento da Lei de Imprensa. “Não se acolhe alegação recursal de violação dos dispositivos da Lei de Imprensa, porque o STF, ao julgar a ADPF 130, já firmou que todo conjunto dessa lei não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, de maneira que esse fundamento do recurso deixou de existir no ordenamento jurídico”, afirmou (REsp 1.068.824). 

Resp 984803 - Resp 801109 - Resp 1191875 - Resp 645729 - Resp 1068824 
Resp 896635 - Resp 1297567 - Resp 680794 - Resp 693172 - Resp 863993 
Resp 685933

Recurso não suspende execução fiscal

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu sinal verde para a Fazenda Pública utilizar fiança bancária e até mesmo vender bens dados em garantia em execução fiscal antes da análise da defesa apresentada pelo contribuinte. A decisão unânime da 1ª Seção foi dada em recurso repetitivo e orientará os demais tribunais do país. "O entendimento é preocupante porque a jurisprudência dos tribunais regionais federais estava vacilante. Mas caminhava no sentido de que o efeito suspensivo da execução fiscal era imediato à apresentação de embargos", diz o advogado Francisco Giardina, do escritório Bichara, Barata & Costa Advogados. 

No julgamento realizado no dia 22, os ministros do STJ entenderam que o efeito suspensivo não é automático à apresentação do recurso contra a cobrança de débito fiscal. Pela decisão, o contribuinte deve provar ao juiz que poderá ter prejuízo com o levantamento dos valores ou a venda de bens dados em garantia. Segundo os ministros da 1ª Seção, cabe ao magistrado, com base na situação da empresa, decidir se suspende ou não a execução fiscal. 

Para o advogado Antonio de Pádua Soubhie Nogueira, mestre e doutor em direito processual civil pela Universidade de São Paulo (USP), os ministros do STJ estenderam à Fazenda Pública um direito que já existe para todos os credores. "Do ponto de vista processual, a Corte não errou", diz o sócio do Ávila, Nogueira e Miguel Neto Advogados. "Mas a luz amarela deverá acender para o juiz que se deparar com um pedido de efeito suspensivo. Afinal, eventual ressarcimento ao contribuinte é feito por meio de precatório." 

A discussão entre os contribuintes e o Fisco começou em dezembro de 2006 com a edição da Lei nº 11.382. Ao alterar o Código de Processo Civil (CPC), a norma passou a prever que os embargos do devedor não têm efeito suspensivo. Antes, a apresentação do recurso interrompia automaticamente o processo. Os advogados de contribuintes, porém, argumentam no Judiciário que há conflito com a Lei de Execuções Fiscais - Lei nº 6.830, de 1980. 

Os ministros analisaram o caso da Fazenda Nacional contra uma rede de drogarias de Pernambuco, julgado pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 5ª Região. No caso, os desembargadores entenderam que, "apesar da aparente ausência de previsão da Lei de Execuções Fiscais, a análise do artigo 16 da norma permite constatar que está presente a possibilidade da concessão de efeito suspensivo". O dispositivo exige a apresentação de embargos em 30 dias, contados da apresentação da garantia. 

O STJ reverteu a decisão do TRF da 5ª Região. De acordo com o relator do caso, ministro Mauro Campbell Marques, a lei que rege o processo de cobranças fiscais não traz previsão sobre o efeito suspensivo. Dessa forma, deveria ser aplicada a norma do artigo 739-A do Código de Processo Civil. 

Para o advogado José Arnaldo da Fonseca Filho, do Levy & Salomão Advogados, o entendimento da 1ª Seção do STJ não surpreende. "Desde 2008, as turmas de direito público vêm proferindo decisões nesse sentido", diz. Segundo ele, uma vantagem de interromper a execução é impedir a Fazenda Pública de pedir a substituição de garantias, de um imóvel para dinheiro ou penhora de ações, por exemplo. Independentemente do efeito suspensivo, afirma o advogado, a apresentação dos embargos já garante a emissão da certidão de regularidade fiscal. 

Segundo o procurador da Fazenda Nacional, Paulo Mendes de Oliveira, a interpretação do STJ deixa claro que o CPC deve ser aplicado em questões sobre as quais a Lei de Execuções Fiscais é omissa. "A decisão favorável da Corte garante à execução fiscal os avanços ensejados pelas reformas processuais", diz. 

Bárbara Pombo - De Brasília