terça-feira, 21 de julho de 2009

Servidor público. Transposição para o regime estatutário.

Servidor público. Transposição para o regime estatutário. Direito à contagem do tempo de serviço insalubre prestado sob regime celetisa. Acréscimo de 20 (mulher) e 40% (homem)
por Marcelo Roque Anderson Maciel Ávila
SUMÁRIO: 1. Da hipótese; 2. Desnecessidade de Lei Complementar; 3. Injustificada resistência; 4. Momento do exercício do direi5. Conclusão.
1. DA HIPÓTESE
Muito já se discutiu acerca do assunto. Restando hoje, porém, pacificado pelo Supremo Tribunal Federal[1] o entendimento segundo o qual é direito do servidor a contagem do tempo de serviço prestado sob o regime celetista para todos os fins, até o advento da Lei 8.112/90.
Após inúmeras decisões dos Tribunais Regionais Federais e do próprio Superior Tribunal de Justiça, coube ao Supremo Tribunal Federal a palavra final sobre o thema, concluindo a Corte Constitucional pelo direito à contagem do tempo celetista para qualquer fim. Confira-se:
EMENTA: SERVIDORES CELETISTAS. REGIME JURÍDICO ÚNICO. TEMPO DE SERVIÇO. APROVEITAMENTO PARA FINS DE ANUÊNIO. LEI Nº 8.112/90, ARTS. 100 E 243. LEI Nº 8.162, ART. 7º. VETO.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 209.899-0, Relator Ministro Maurício Corrêa, sessão de 04.06.98, firmou orientação de que, ao tempo em que sobreveio a Lei nº 8.162/91 que alterou a regra do art. 100 da Lei nº 8.112/90, a qual previa o direito à contagem do tempo de serviço público federal para todos os efeitos já se havia integrado ao patrimônio dos servidores ex-celetistas, o direito à referida contagem para fim de anuênio, na forma prevista no art. 67 da mesma lei; e que o veto aposto pelo Presidente da República ao art. 243 do referido diploma, que estabelecia o aproveitamento do tempo de serviço para a percepção de vantagens funcionais, mantido pelo Congresso Nacional, não afasta a aludida pretensão por parte dos mencionados servidores. Recurso extraordinário não conhecido.( RE 275753/CE, 1ª Turma. Min. Ilmar Galvão)grifo nosso.
Já no âmbito dos Tribunais Regionais, a questão vem posta de forma peremptória como assentado em acórdão do Tribunal Regional Federal da 5º Região, entendendo aquele Tribunal que o fato de não restar editada a Lei Complementar reclamada pelo art. 40, § 4º da CF não obstaria o direito à contagem e à respectiva certidão, tendo em vista que a referida exigência de Lei Complementar diz respeito, tão somente, ao tempo insalubre prestado já sob o regime estatutário e o caso defendido em tela, diz respeito ao tempo insalubre prestado sob o regime celetista, que, por sua vez, prescinde da edição de Lei.
A questão já veio a baila no Superior Tribunal de Justiça, onde restou igualmente protegido o direito do servidor ex-celetista à contagem do tempo de serviço com o respectivo multiplicador, e à respectiva certidão. Vejamos a ementa:
SERVIDOR PÚBLICO. EX-CELETISTA. CONTAGEM DE TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO SOB CONDIÇÕES INSALUBRES. DIREITO ADQUIRIDO ENQUANTO CELETISTA. LEI DA ÉPOCA DO IMPLEMENTO DOS RESPECTIVOS REQUISITOS.
1. Ao servidor que, quando celestista, teve incorporado ao seu patrimônio o direito à contagem de tempo de serviço com acréscimo legal pelo fato de exercer atividade insalubre, se reconhece o direito à Certidão de Tempo de Serviço da qual conte o tempo integral que perfez sob o pálio da lei da época.
2. Recurso não conhecido.[2]
2. DESNECESSIDADE DE LEI COMPLEMENTAR
Resiste a administração pública ao implemento desse direito sob o pálido e singular argumento da inexistência de Lei Complementar de forma a regulamentar a prestação de serviço em condições insalubres sob o pálio do regime estatutário(lei 8.112/90).[3]
Sem discrepar, continuaram decidindo os Tribunais Regionais Federais que "havendo o impetrante, na qualidade de empregado de empresa pública, laborado sob condições insalubres, tem direito à conversão do tempo de serviço segundo os critérios vigentes à época, para fins de obtenção da aposentadoria pretendida junto ao serviço público federal"[4]
Nesse ponto, totalmente desinfluente o óbice encontrado pela administração, eis que o que carece de regulamentação é o serviço insalubre prestado sob o regime estatutário e não aquele prestado sob o regime celetista, anteriormente á 11.12.1990, data da edição da Lei 8.112.
Veja-se que in casu, o respectivo adicional de 20% se mulher e 40% se homem incidirá apenas e tão-somente sobre o tempo de serviço público celetista, para o qual receberam o adicional de insalubridade, até o advento da lei 8.112/90.
Não se trata aqui de defender a conversibilidade para períodos posteriores a 11.12.1990, sendo certo que, aí sim, haveria necessidade da reclamada lei Complementar.
Por tal razão, inaplicável o óbice alegado pela Administração Pública no que tange a não regulamentação da questão. Repita-se: a questão do tempo de serviço insalubre sob o império da CLT não carece de regulamentação e constitui direito inalienável do servidor, por já, de muito, incorporado ao seu patrimônio jurídico.
3. DA INJUSTIFICADA RESISTÊNCIA e DIREITO ADQUIRIDO
Entretanto, no momento da contagem do tempo de serviço para fins de aposentadoria, tal direito, que já se havia incorporado ao patrimônio jurídico dos servidores através do ato perfeito e do direito adquirido, tem restado obstado pela INSTRUÇÃO NORMATIVA-SEAP nº 05 de 28 de abril de 1999, cujo artigo 4º, veda, “a partir de 17 de dezembro de 1998, a contagem de qualquer tempo de contribuição fictício para efeito de concessão de aposentadoria” Vejamos:
Precisamente em 05 de outubro de 1988 foi promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil, estando insculpido na Seção II – Dos Servidores Públicos Civis, o art. 39, que restabelece o Regime Jurídico Único.
Em 15 de dezembro de 1998, é publicado no D.O.U. a Emenda Constitucional nº 20, que assim delimitou e resguardou direitos:
Art. 1º § 10: A lei não poderá estabelecer qualquer forma de contagem de tempo de contribuição fictício;
Art. 3º § 3º: São mantidos todos os direitos e garantias assegurados nas disposições constitucionais vigentes à data de publicação desta Emenda aos Servidores e militares, inativos e pensionistas, aos anistiados e aos ex-combatentes, assim como àqueles que já cumpriram, até aquela data, os requisitos para usufruírem tais direitos, observado o disposto no art. 37, XI, da Constituição Federal.[5]
É evidente que a lei não tem o condão de retroagir para prejudicar, cassar, macular, limitar o direito adquirido e ato jurídico perfeito e acabado.
Malgrado possa a administração pública revogar seus atos por motivo de conveniência e oportunidade, bem como anular os atos praticados de forma ilegal ou fraudulenta, esse poder-dever não é ilimitado e deve, a teor do verbete 473 da súmula de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, respeitar direitos adquiridos e ressalvar, em todos os casos, apreciação judicial.
Nesse sentido, é pacífico o entendimento de toda a doutrina do direito brasileiro e dos demais povos civilizados. À propósito é o basilar o ensinamento de CAIO MÁRIO SILVA PEREIRA[6]:
‘Direitos Adquiridos, São os direitos definitivamente incorporados ao patrimônio do seu titular, sejam os já realizados, sejam os que simplesmente dependem de um prazo para o exercício, sejam os subordinados a uma condição inalterável ao arbítrio de outrem. A lei nova não pode atingi-los, sem retroatividade”
O direito à contagem multiplicada(conversão) do tempo de serviço insalubre no regime celetista se aperfeiçoou com a promulgação da lei 8.112/90, não podendo ser obstaculizada ao alvedrio da Administração Pública.
Ora, se o direito conversão do tempo de serviço insalubre concretizou-se, incorporando-se ao patrimônio jurídico dos impetrantes ANTES de 17 de dezembro de 1998, e antes da edição da Instrução Normativa 05 de 28.04.1998, não se há que falar em vedação à contagem de tempo fictício, eis que tal vedação é projetada e dirigida à situações futuras.
Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, citando a lição de Léon de Duguit, afirma que “são insuscetíveis de serem apanhadas pela lei nova não só as situações subjetivas ou individuais, como outrossim os fatos realizados no passado, regidos pela lei em vigor no momento em que foram produzidos”[7]
Já Reis Friede assevera que a acepção básica da denominação Direito Adquirido encontra berço na fundamental questão da irretroatividade das leis. E vai além, caracteriza como adquirido todo direito oriundo de ato jurídico perfeito ou da coisa julgada, por já se ter definitivamente incorporado ao patrimônio jurídico do indivíduo[8].
E, não se pode negar, absoluta razão assiste ao ilustre magistrado federal, porquanto se o direito origina-se de a um ato perfeito, praticado de acordo com normas então vigentes, nova lei não poderá feri-lo; eis que não mais existindo a possibilidade de recurso, tal direito é incontestavelmente adquirido, inimaculável por qualquer outro ato.
Frise-se que aqui tem-se clara a noção de direito adquirido adotada pelo ordenamento jurídico pátrio, que o fez esposando a teoria de GABBA, segundo a qual “É adquirido todo direito que seja conseqüência de um fato idôneo a produzi-lo, em virtude da lei do tempo em que esse fato foi realizado, embora a ocasião de o fazer valer não se tenha apresentado antes do surgimento de uma lei nova sobre o mesmo.” [9]
Em nosso ordenamento, tal teoria foi “traduzida” na seguinte assertiva: “(...) ou condição preestabelecida inalterável ao arbítrio de outrem”, esta parte final da redação do parágrafo 2º do art. 6º da lei de Introdução ao Código Civil. Veja-se, então que a definição de GABBA foi adotada e reproduzida em sua essência, qual seja a impossibilidade de alteração ou supressão do direito adquirido, ainda que o titular desse direito não se tenha manifestado interessado em garanti-lo, eis que já o possuía independentemente de prévia manifestação de vontade.
4. MOMENTO DO EXERCÍCIO DO DIREITO
E, analisando as lições acima, qual seria o prazo para o exercício ou a condição inalterável, senão a aposentadoria? , uma vez que o direito à contagem convertida pelo respectivo multiplicador (1,4 ou 1,2) já se havia adquirido? Apenas dependia, o seu exercício, da condição, qual seja o requerimento de aposentadoria.
Repise-se o fato de que não de trata de contagem de tempo fictício após 17.12.1998, apenas de requerimento de uso, aplicação, do tempo já contado.
Ademais, nenhuma lei cancelou diretamente o direito do servidor, razão pela qual inexiste qualquer motivo para que a autoridade administrativa o faça.
Ao contrário, a intenção visível da Emenda Constitucional nº 20, foi manter os direitos existentes. De fato, tal como alhures gizado, observa-se que a referida Emenda nem mesmo quis retroagir; mesmo porque o legislador, ao reformar a Previdência Social, usou o futuro do presente (A LEI NÃO PODERÁ........), sinalizando para o princípio da irretroatividade das leis, mais do que assegurado na Constituição.
Veja-se a respeito a orientação adotada pelo ilustre Ministro ALDIR PASSARINHO[10] “È que a norma constitucional beneficiou os que até a data prevista haviam complementado o requisito temporal. O direito já o possuía ele. Apenas o seu exercício que ficou dependendo de vaga do cargo titular. E é o que, como salienta o parecer da douta Procuradoria-Geral da República, resulta do § 2º do art. 6º da lei de introdução ao Código Civil(...)”
De outra senda, esse não-exercício do direito não é suficiente, e nem poderia sê-lo, para macular o direito adquirido, relegando-o ao plano da mera expectativa de direito, eis que surge, in casu, a figura do DIREITO EXPECTATIVO, expressão muito(bem) utilizada por novos e jovens processualistas para caraterizar o direito adquirido quando este vem aclarar-se posteriormente ao momento da sua aquisição.
Dentre esses brilhantes estudiosos da matéria destaca-se o eminente Juiz Federal WILNEY MAGNO DE AZEVEDO SILVA, que assim define a noção. “É o caso de direito adquirido, sujeito apenas, à ocorrência de condição inexorável e insuscetível de alteração, por vontade alheia. É o assim chamado DIREITO EXPECTATIVO, noção diversa de Expectativa de Direito” [11]
E, nessa seara, tem sido farta a doutrina: “A lei nova não pode, portanto, ferir direitos adquiridos. E nota Porchat, com muita adequação, que, no Brasil, desde o Império, não é possível por distorção constitucional, a lei retroativa[12].”
Já para PLANIOL não haveria nenhuma segurança para os cidadãos, se seus direitos pudessem a cada passo, ser postos em questão ou suprimidos pela vontade do legislador. O interesse geral, não é senão a resultante dos interesses individuais.[13]
5. CONCLUSÃO
Sem dúvida, podemos afirmar, esposando as palavras de Ivo Dantas[14], que prescrevendo o art. 60, § 4º da Constituição a limitação material ao poder constituído de reforma, o direito adquirido assume um novo contorno, tornando-o imutável. É dizer que incide na hipótese o principio do tempus regit actum.
E disso não pode querer a administração estar à margem, vez que o comando é a ela diretamente dirigido.
Sob o influxo das decisões colacionadas, e de toda a doutrina exposta, outra não pode ser a conclusão senão pelo direito do servidor a contagem do tempo de serviço prestado sob condições insalubres até 11.12.1990.
BIBLIOGRAFIA
BEVILACQUA, Clóvis. Teoria Geral do Direito Civil, 3ª dição;
DANTAS, Ivo. Direito adquirido, Emendas Constitucionais e Controle da Constitucionalidade, 2ª Ed, 1997, Lumen Juris;
FRIEDE, Roy Reis. Lições Objetivas de Direito Constitucional, 1999, Saraiva;
MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. RT 739/145;
PASSARINHO, Aldir. RE 105.812-PB, RTJ, 119/1232;
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil;
SILVA, Wilney Magno de Azevedo. MS 97.0014975/RJ.
NOTAS
[1] (RE 222029-AL; 2ª Turma Min. Nelson Jobim, DJ 05.03.99, j. em 11.12.1998 e RE 275753/CE, 1ª Turma. Min. Ilmar Galvão)
[2] (RE 237.492-PB; 5ª Turma, STJ, rel Min. Edson Vidigal, dec. Unanime de 16.05.2000, DJ 19.06.2000, rifei)
[3] Cf. Decisão TCU nº 038/98, DOU n 37 de 25.02.98
[4] valendo dizer da " irrelevância da inexistência da lei complementar referida no art. 40, parágrafo único da constituição da república, posto referir-se a exigência, tão-somente, ao serviço prestado sob a égide do regime jurídico único, não se impondo relativamente ao período regido pela consolidação das leis trabalhistas-CLT. (AMS 611 – AL. j. em 12.02.98, rel. Juiz Geraldo Apolinário 3ª Turma., TRF 5ª reg)
[5] Destaques não originais
[6] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil.
[7] RT 739/145.
[8] FRIEDE, R. Reis. Lições Objetivas de Direito Constitucional, 1999, Saraiva.
[9] Apud. CLOVIS Bevilacqua. Teoria Geral do Direito Civil, 3ª dição
[10] ao proferir seu voto no RE 105.812-PB, 2ª Turma, unânime, RTJ, 119/1232:
[11] proferindo sentença no MS 97.0014975/RJ
[12] RT 739/147
[13] RT 739/147
[14] DANTAS, Ivo. Direito adquirido, Emendas Constitucionais e Controle da Constitucionalidade, 2ª Ed, 1997, Lumen Juris.
Revista Jus Vigilantibus, Terça-feira, 21 de julho de 2009

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