quarta-feira, 30 de setembro de 2009

PEC dos cartórios é "gambiarra", diz Mendes

O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Gilmar Mendes, disse ontem que a PEC (proposta de emenda à Constituição) que efetiva titulares de cartórios não concursados é uma "gambiarra" jurídica e deverá ser derrubada pelo STF caso seja aprovada pela Câmara dos Deputados.


A votação em primeiro turno da proposta de emenda -válida para aqueles que estão há mais de cinco anos no cargo- está prevista para hoje.


Mesmo em viagem à França, Mendes, que também preside o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), acompanhou com preocupação a movimentação pela aprovação da PEC nº 471 nos últimos dias. Na semana passada, o corregedor do CNJ, ministro Gilson Dipp, divulgou uma nota atacando a emenda.


A atividade cartorária é delegada pelo poder público a particulares e há casos de titulares que arrecadam mais de R$ 1 milhão por mês. A administração das vagas e a fiscalização dos cartórios é feita pelos Tribunais de Justiça Estaduais.


O CNJ, órgão de controle administrativo e disciplinar do Judiciário, realiza inspeções nos Estados desde o ano passado e chegou à estimativa de que há 5.000 não concursados em postos de titulares no país.


Em junho passado, o CNJ emitiu uma resolução que declarou como vagos todos os cargos assumidos pelos não concursados e determinou que os Tribunais de Justiça realizassem um levantamento para apuração do número exato de titulares "biônicos". O prazo para concluir essa apuração termina nesta semana.


A meta do CNJ é a de que após essa fase sejam realizados os primeiros concursos para preenchimento dessas vagas.


Todo esse trabalho, porém, pode ser afetado caso a PEC seja aprovada. Ante a ameaça de votação da emenda à Constituição pela Câmara, o CNJ partiu para o ataque.

De Paris, Mendes disse ontem à Folha que em 1977, no governo militar de Ernesto Geisel, e na Constituição de 1988, foram realizadas efetivações de substitutos nos cartórios. "Está na hora de o Brasil regularizar isso de forma definitiva. Não me parece adequado esse tipo de tentativa de mais uma vez burlar o sistema concursivo", afirmou.


"No caso dos cartórios, estamos falando, em um período de cerca de 30 anos, já de um terceiro arranjo, de uma terceira gambiarra. Isso não eleva nosso padrão civilizatório."

Para Mendes, a PEC poderá ser cassada pelo STF. "Se essa emenda vier a ser aprovada, provavelmente ela será contestada, porque muito provavelmente ela fere cláusula pétrea. Ela flexibiliza o critério do concurso público e fere o princípio da igualdade", afirmou.


O magistrado disse que a situação dos não concursados "é uma fonte às vezes de erosão da autoridade moral do Judiciário. Os corregedores acabam indicando funcionários provisoriamente e eles se eternizam. É uma fonte de má aplicação do próprio poder do Judiciário, gerando o filhotismo, um certo patrimonialismo, uma relação promíscua entre o juiz e o cartorário indicado".


A Anoreg-BR (Associação dos Notários e Registradores do Brasil) defendeu ontem, por meio de nota, a aprovação da PEC. Segundo a entidade, "várias situações de oficiais e substitutos, que deveriam ser temporárias, consolidaram-se. Essas pessoas correm sérios riscos de serem afastadas e perderem os cargos depois de trabalharem, investirem e aperfeiçoarem os serviços".

PEC tira sono de quase oito mil já aprovados para vaga em cartórios


Um levantamento realizado pela Associação Nacional de Defesa dos Concursos para Cartórios (Andecc) apontou que 7.879 pessoas foram aprovadas em seleções públicas para vagas de titulares de cartórios nos últimos anos e aguardam o momento de tomar posse nos cargos. Porém, os vencedores dos concursos temem que a aprovação da PEC nº 471 adie indefinidamente seus planos de assumir os postos.


Esta é a situação vivenciada pela advogada Naila de Rezende Khuri, 40, que passou no último concurso para titular de registros de imóveis em São Paulo. A seleção começou em maio de 2008 e teve o resultado final divulgado em agosto deste ano.


Naila afirma estar apavorada com a possibilidade de promulgação da PEC nº 471. "Eu estudei por cinco anos, trabalhando e cuidando da casa ao mesmo tempo. É uma prova muito difícil. E agora a PEC pode tornar inútil todo esse esforço", diz.


A primeira colocada no concurso, a advogada Paola Macedo, 36, conta que já perdeu o sono várias vezes nas últimas duas semanas. "Essa PEC é absurda, pois premia aqueles que não conquistaram as vagas legitimamente", afirmou.

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