quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Liminar que suspendeu dispositivos da Lei Eleitoral será analisada nesta quinta-feira (2)

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) suspenderam a análise da liminar concedida pelo ministro Carlos Ayres Britto na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4451, ajuizada na Corte pela Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV) contra dispositivos da Lei 9.504/97. Segundo a autora da ação, os artigos questionados estariam impedindo “manifestações de humor” durante o período eleitoral. O julgamento, no qual a Corte vai decidir se referenda a decisão do relator, deve ser retomando na sessão desta quinta-feira (2).

Até o momento, depois que o relator do caso leu seu relatório, falaram o advogado da Abert, autora da ação, e o advogado do PDT, admitido como amigo da Corte. Ambos pediram que o Supremo confirme a decisão do ministro Carlos Ayres Britto, com base nos princípios da liberdade de expressão e de imprensa.

Já o Ministério Público Federal também se manifestou, por seu procurador geral da República, Roberto Gurgel. Ele defendeu a norma, por entender que a alegada proibição só se aplica quando houver degradação ou ridicularização de candidatos.

Em sua decisão, tomada no último dia 26, o ministro Ayres Britto suspendeu o inciso II do artigo 45 da Lei Eleitoral (Lei 9.504/97), e deu interpretação conforme ao inciso III do mesmo artigo, para que se entenda que “considera-se conduta vedada, aferida a posteriori pelo Poder Judiciário, a veiculação, por emissora de rádio e televisão, de crítica ou matéria jornalísticas que venham a descambar para a propaganda política, passando, nitidamente, a favorecer uma das partes na disputa eleitoral, de modo a desequilibrar o 'princípio da paridade de armas'”.

Abert

Para o advogado da Abert, os dispositivos questionados impõem severas e desproporcionais restrições às emissoras de TV e Rádio no trimestre anterior às eleições, ao impedir que veiculem programas que venham a degradar ou ridicularizar candidatos a partir de 1º de julho do ano de eleição

Esses dispositivos, disse o advogado, geram grave efeito silenciador sobre as emissoras, que se vêem impedidas de produzir ou veicular sátiras, charges ou programas de humor que falem de temas políticos, durante o período eleitoral. Para ele, a norma seria uma forma de autoproteção dos políticos contra as críticas emanadas da sociedade.

A norma prevista no inciso II do artigo 45 é manifestamente desproporcional e excessiva, violando princípio da vedação do excesso, disse o advogado. Além do mais, existem meios menos gravosos que poderiam ser utilizados para garantir a lisura do processo. Nesse sentido, ele citou dispositivos presentes na própria Constituição Federal de 1988, o direito de resposta, a responsabilização civil e penal, que podem muito bem remediar eventuais desvios ou abusos.

Além disso, frisou, a Abert entende que o humor, a sátira e a crítica não restringem o debate político, e sim ajudam o eleitor a se tornar mais consciente e informado. A liberdade de expressão e de imprensa são garantias constitutivas da democracia e não atrapalham a lisura do processo eleitoral, asseverou. Para ele, parece ser uma contradição o fato de o legislador determinar que quando mais premente a necessidade de aguçamento do interesse do eleitor e mais necessária a divulgação de informações, surja a vedação prevista nos dispositivos questionados.

Ele lembrou, ainda, que durante as duas grandes ditaduras que ocorreram no país – a ditadura de Vargas e o período de 1964, os humoristas tiveram papel decisivo na luta pela democracia e pelas garantias constitucionais.

O advogado lembrou do julgamento da ADI 3741, ocasião em que o ministro Ayres Britto e o ministro Ricardo Lewandowski teriam dito que o período eleitoral não pode ser considerado estado de sítio, único momento institucional que permite certas restrições a direitos individuais, como liberdade de expressão e de imprensa.

Urgência

Sobre o fato de se pedir urgência na decisão, para suspender uma norma que está em vigor há treze anos, o advogado revelou que o próprio Supremo entende que eventuais lesões à ordem constitucional são contínuas e se renovam dia a dia. Ele citou precedentes da Corte, como as ADIs 4105 e 4178, em que se concedeu liminar para suspender normas há muitos anos em vigor.

PDT

Dizendo sentir-se parte do debate em torno da liberdade de imprensa, o deputado federal e advogado Miro Teixeira (PDT/RJ), autor da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 130, na qual a Corte derrubou a Lei de Imprensa, disse que o Brasil vive um regime de liberdade absoluta, exigida pelo STF e definida pela Constituição de 1988, exceto no período eleitoral.

As vedações impostas pelos dispositivos questionados nessa ADI, disse Miro Teixeira, não aumentam a liberdade dos cidadãos de conhecerem os candidatos. O parlamentar lembrou que, mesmo durante a ditadura militar vivida pelo Brasil, ele mesmo, como candidato a deputado federal, participou de programas humorísticos. O que acontece também nos Estados Unidos. “Não há desrespeito no riso”, conclui Miro Teixeira.

MPF

Roberto Gurgel, procurador-geral da República, disse que o Ministério Público Federal compartilha das convicções do ministro Ayres Britto, relator da ADI 4451, quanto à intangibilidade da liberdade de imprensa. Concorda, também, com o entendimento de que humor e charges, como forma de colocar em circulação frases e idéias, é uma forma de imprensa.

Mas Gurgel lembrou que também é procurador-geral eleitoral, e como tal deve estar atento às questões que possam afetar o equilíbrio das eleições, a igualdade entre os candidatos. Ele frisou que a liberdade de manifestação e pensamento constituem, realmente, garantias tão caras quanto o próprio sufrágio (voto), como argumentou a autora da ação.

Mas, de acordo com Gurgel, os dispositivos questionados não proíbem o humor. O que se proíbe é a prática de montagem ou trucagem que venha a degradar ou ridicularizar os candidatos, ponderou. Da mesma forma, emendou, a norma também não proíbe criticas. A vedação só existe se a crítica vier com conotação negativa que leve a degradar o candidato, a expor ao ridículo o candidato, disse Gurgel.

"E quando houver essa degradação, será que não estaríamos diante de conduta que equivale à que descamba para a propaganda política, desequilibrando a disputa eleitoral?", questionou Roberto Gurgel, fazendo menção à decisão do relator na liminar em análise.

Os dispositivos não inviabilizam críticas ou sátiras, nem impedem o humor - tão essencial e inerente à alma brasileira - ou a crítica jornalística, mas apenas que se degrade a imagem ou ridicularize alguém, asseverou o procurador. Isso mostra, exatamente, a proporcionalidade da norma, pontuou, insistindo a incidência da norma só em casos extremos, quando houver degradação ou ridicularização.

"É aceitável brincadeira com candidato, desde que não caia nas condutas referidas", disse Roberto Gurgel, lembrando que a TV norte-americana, citada pelo deputado Miro Teixeira, mostra realmente brincadeiras com os candidatos, “mas sempre com tratamento respeitoso”.

Gurgel disse, ainda, temer que se abra agora uma “trilha estreita”, mas que permita depois se abrir um caminho que permita ações que acabem afetando esse equilíbrio de armas na disputa eleitoral.

Divertido

Por fim, rebatendo a necessidade de se suspender com urgência uma lei de 1997, que até então não havia sido questionada, Gurgel concordou que o Supremo realmente permite a concessão de liminares nesses casos. Mas, concluiu Gurgel, a lei vem sendo testada ao longo de tantas e tantas eleições, e o país não ficou menos divertido por causa dela.

MB/CG

Processos relacionados
ADI 4451

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