quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

De advogado de Lula a ministro do Supremo: a polêmica indicação de Dias Toffoli

William Maia

A inesperada morte do ministro Carlos Alberto Menezes Direito —vítima de um fulminante câncer no pâncreas— além de cobrir de luto a comunidade jurídica, abriu espaço para aquela que foi certamente a mais polêmica indicação de um ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) nos últimos tempos.

Antes mesmo de ser aberta a bolsa de apostas sobre a oitava escolha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva —nenhum presidente democrático nomeou tantos membros da Suprema Corte— o nome do então advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli, já surgia como favorito.

Ex-advogado do PT e do próprio Lula em duas eleições, Toffoli era visto como um homem de confiança da cúpula do governo, por ter sido chefe da Assessoria Jurídica da Casa Civil, na época comandada por José Dirceu. O presidente Lula estaria descontente com algumas de suas indicações anteriores e dessa vez não estaria disposto a arriscar.

A confiança em Toffoli se confirmou durante sua gestão à frente da AGU (Advocacia Geral da União), quando graças à atuação do órgão foram recuperados mais de R$ 350 milhões além de uma economia de mais de R$ 7 bilhões em processos judiciais.

E foi justamente essa ligação estreita com Lula e com o PT o primeiro foco de ataques a Toffoli por integrantes da oposição no Senado, a quem cabe aprovar a indicação presidencial depois de uma sabatina. Poderia um ex-advogado de um partido político e do próprio presidente da República atuar com isenção em defesa da Constituição?

Durante sabatina no Senado, Toffoli descartou a possibilidade de qualquer influência política em sua atuação como ministro do STF. "O fato de ter atuado em ações eleitorais para o presidente Lula faz parte do meu passado. Passarei a ser ministro da nação brasileira", afirmou.

Saber e reputação

No entanto, não foi apenas a identificação político-ideológica que colocou a indicação do paulista de Marília sob suspeita. Para ser ministro do Supremo, a Constituição exige que o candidato seja brasileiro nato, tenha mais de 35 anos (preceitos objetivos) e possua dois predicados não muito bem definidos: notório saber jurídico e reputação ilibada.

Sobre o primeiro requisito subjetivo, Toffoli precisaria superar a desconfiança em relação a seu currículo acadêmico. Apesar de ter se graduado em direito pela USP, na conceituada Faculdade do Largo São Francisco, ele não possui mestrado ou doutorado. Tampouco tem livros ou teses publicadas. Foi professor de direito constitucional e direito de família e se especializou em direito eleitoral.

Para complicar ainda mais, Toffoli foi reprovado duas vezes em concursos para juiz em São Paulo, na década de 1990.

Mas nenhuma dessas objeções fez tanto barulho quanto a descoberta de uma condenação civil sofrida pelo advogado na Justiça do Amapá, que colocava em xeque sua reputação ilibada.

A sentença, da qual Toffoli já recorreu, obriga o advogado e o ex-governador do Amapá, João Capiberibe (PSB), a devolverem R$ 420 mil (R$ 700 mil em valores atualizados) aos cofres do Estado pela contratação irregular de seu escritório de advocacia entre 2000 e 2002.

O juiz Mário Cezar Kaskelis considerou que o governo não poderia ter terceirizado sua defesa em processos judiciais sem licitação, ainda mais quando Toffoli defendia o governador em processos no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o que levantou a suspeita de que o advogado estaria sendo pago com dinheiro público para defender Capiberibe em processos particulares.

No fim de setembro, a Justiça aceitou apelação de Toffoli e suspendeu a execução da sentença até o julgamento do caso pelo TJ-AP (Tribunal de Justiça do Amapá). Ele também já havia sido condenado em processo semelhante, mas a sentença foi anulada porque não houve citação formal sobre o processo e Toffoli não teve como se defender.

A sabatina

Apesar de todos os questionamentos, a indicação de Toffoli foi aprovada com ampla maioria no Senado (58 votos contra nove no Plenário e 20 votos a três na CCJ). Durante a sabatina na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), ele teve que se defender dos questionamentos à sua imparcialidade e respondeu a questões chave como o veto à candidatura dos chamados “fichas-sujas”, a possibilidade de um terceiro mandato para presidente da república e as cotas raciais em universidades públicas.

Sob forte ataque do senador Álvaro Dias (PSDB-PR), Toffoli reafirmou que sua condenação na Justiça do Amapá foi irregular e que prestou os serviços contratados pelo governo do Estado. “Estou com a consciência tranquila de não ter feito nada de errado e confiante na Justiça de que essa ação não terá sucesso”, disse. 

Primeiros passos

As primeiras participações de Toffoli nos julgamentos do Supremo já demonstraram um pouco como será o estilo do novo ministro. Em pelo menos dois casos, ele trouxe ao Tribunal processos que estavam engavetados a muito tempo —um deles uma questão de ordem suscitada há mais de 19 anos.

No primeiro caso polêmico que julgou, Toffoli pediu vista do processo que pedia a abertura de ação penal contra o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), por envolvimento no esquema do chamado valerioduto tucano. Menos de um mês depois, trouxe o caso de volta a julgamento com um voto pela rejeição da denúncia. Ele considerou que não havia indícios suficientes da participação de Azeredo no esquema, que foi embrião do chamado mensalão.

Com o mesmo rigor —para alguns ministros, exagerado— sobre os indícios da acusação, Toffoli também rejeitou a abertura de ação penal contra o senador Valdir Raupp (PMDB-RO), acusado de desvio de finalidade de um empréstimo do Banco Mundial quando governou Rondônia. Nos dois julgamentos, Toffoli trocou farpas com o ministro Joaquim Barbosa, também indicado por Lula, mas de perfil muito diferente.

Entretanto, a principal participação de Toffoli em quase dois meses como ministro do Supremo Tribunal Federal talvez tenha sido uma não-decisão. Ele preferiu se declarar impedido por razões de foro íntimo e não participou do julgamento do pedido de extradição do italiano Cesare Battisti, caso em que seu voto poderia ter sido decisivo.

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