segunda-feira, 2 de abril de 2012

Em ano eleitoral, Coaf amplia pente-fino para identificar caixa 2 das campanhas

Em ano de eleições municipais, o Banco Central vai apertar o cerco a "movimentações financeiras atípicas" de marqueteiros e publicitários. O órgão decidiu ampliar a relação de operações e situações que podem configurar indícios de crimes de lavagem de capitais e ocultação de bens ilícitos, passíveis de comunicação ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). A decisão consta da Carta Circular 3.542, publicada no último dia 12 (http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/c_circ/2012/pdf/c_circ_3542.pdf).
Em episódio emblemático da histórica recente do País, o publicitário Marcos Valério, operador do escândalo conhecido como mensalão, foi acusado pela Procuradoria-Geral da República de ter feito uso de duas agências de publicidade para captar valores não declarados para o PT e para financiar partidos da base aliada do governo Lula no Congresso. Valério e outros 37 personagens citados na trama estão no banco dos réus do Supremo Tribunal Federal.
O caso também levou à Corte Suprema o marqueteiro Duda Mendonça, responsável pela vitoriosa campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2002. Ele confessou à CPI do Mensalão ter recebido R$ 10,5 milhões de caixa 2 do PT em conta secreta num paraíso fiscal.
Um trecho específico da nova norma do BC (capítulo VIII) mira exatamente o marketing eleitoral, considerado o tipo de serviço mais usado para caixa 2 de campanhas, pela dificuldade de mensurar a quantidade e a qualidade dos próprios serviços. É tradição nessas épocas o emprego de agências de propaganda por políticos para lavar dinheiro sujo de doações e girar recursos da contabilidade paralela.
Transparência. "É uma modificação extremamente importante porque traz maior transparência no controle dos gastos de campanha eleitoral", avalia Pedro Barbosa Pereira Neto, procurador regional eleitoral em São Paulo. "Os gastos (com agências de publicidade) são um grande enigma, agregado ao fato de que é um tipo de serviço sobre o qual encontramos muita dificuldade para estabelecer padrão de preços e se ele foi efetivamente prestado", explica Pereira Neto.
Nada vai escapar do radar do Coaf. Nunca o pente foi tão fino. A nova norma mais que dobrou o número de situações ditas atípicas, ou seja, que podem caracterizar atos ilícitos e improbidade. Hoje há 43 situações classificadas como incomuns. O instrumento 3.542, que passa a valer dia 14 de maio - a um mês do início da campanha e a seis meses do primeiro turno das eleições -, estica a rede de atuação do Coaf. Passam a ser consideradas suspeitas 106 condutas.
O BC informa que as novas regras consolidam procedimentos para prevenção e combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo. Foram atualizadas normas sobre procedimentos a serem adotados por instituições financeiras.
A medida, conforme o BC, atende ao compromisso internacional de implementar as recomendações do Grupo de Ação Financeira (Gafi) contra a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo (Financial Action Task Force). Os técnicos do BC adotaram estudos técnicos, experiências do mercado financeiro e recomendações internacionais de combate à lavagem e ocultação de valores e bens.
Ficarão sob análise as operações considerando as partes envolvidas, os valores, a frequência, as formas de realização, os instrumentos utilizados ou a falta de fundamento econômico ou legal que "podem configurar indícios de ocorrência" dos crimes previstos na Lei 9.613/98 (Lei da Lavagem de Capitais).
Contratos com setor público. A nova norma do BC também mira operações financeiras fruto de contratos com o governo. Um dos capítulos (VIII) define expressamente "situações relacionadas com a movimentação de recursos oriundos de contratos com o setor público". Ao mencionar a Lei 8.429/92 (Lei da Improbidade), a norma prevê identificação de fluxo de valores "por agentes públicos".
Espreita ainda a estratégia de políticos para dissimular a origem de dinheiro de campanha. Manda as instituições financeiras alertarem o Coaf sobre "movimentações atípicas de recursos por pessoa natural ou jurídica relacionados a patrocínio, propaganda, marketing, consultorias, assessorias e capacitação".
Os tentáculos do Coaf também estarão direcionados a ONGs, mais especificamente a "movimentações atípicas de recursos por organizações sem fins lucrativos".
O rastreamento de movimentações vitais para a lavagem de dinheiro do tráfico de armas e de drogas e de outras faces do crime organizado agora serão usadas para identificar um rol muito maior de pessoas e empresas.
O BC definiu o padrão de movimentações entre contas - depósitos de valores arredondados, recursos de alto valor, várias contas destinadas a acolher depósitos de um só cliente - e enquadrou a "ausência repentina de movimentação financeira em conta que anteriormente apresentava grande movimentação".
Juristas criticam 'poder ilimitado' ao Coaf
Nomes renomados da advocacia criminal ficaram perplexos com o que consideram a concessão de um poder ilimitado ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) por causa da nova norma editada pelo Banco Central, a Carta Circular 3.542,
"A amplitude da norma é desmesurada e sua legalidade me parece questionável à medida que, por abarcar praticamente tudo, afeta sensivelmente o direito ao sigilo", adverte Sérgio Rosenthal. Para Antonio Claudio Mariz de Oliveira, "trata-se de mais um exemplo da presunção de culpa hoje imperante no Brasil". Ele recrimina. "O inocente terá de provar essa condição, a sua inocência, e não o contrário, como determina a Constituição."
Rosenthal diz que "algumas das situações previstas" (pela carta do BC) podem indicar claramente a existência de irregularidades e até mesmo da prática de crime de lavagem de capitais. Mas ele condena o tamanho do guarda-chuva do Coaf.
"É como dizer ao porteiro que ele tem a obrigação de informar a polícia, sob pena de ser responsabilizado no futuro, se um indivíduo que frequenta muito o edifício passou, de repente, a frequentá-lo pouco ou se seus trajes combinam com sua aparência."
Ele aponta o capítulo IV, que mira movimentação de quantia significativa por meio de conta até então pouco movimentada e que trata da ausência repentina de movimentação financeira em conta que anteriormente apresentava grande movimentação. "Se um indivíduo, por qualquer razão, resolver diminuir a movimentação de uma de suas contas transferindo-a para outra de sua própria titularidade, que até então pouco utilizava, será suspeito de praticar crime."
Aluguéis. Rosenthal vê com preocupação também o mesmo capítulo, que fala ainda da movimentação de recursos de alto valor, de forma contumaz, em benefício de terceiros. "Ora, o simples pagamento de aluguéis se enquadra nessa situação. Muitas das condutas elencadas não constituem, por si só, indício de ocorrência dos crimes previstos na Lei n.º 9.613/98."
Mariz de Oliveira é categórico. "A série de operações e de situações mencionadas representa mais um exemplo do Estado policialesco e invasivo que se quer implantar no País. Muitas dessas operações são absolutamente normais porque praticadas por qualquer um de nós. A partir de agora quem as efetuar passará a ser suspeito de lavagem."
O advogado destaca que a Carta Circular 3.542 terá como efeito "a abertura obrigatória de um grande número de inquéritos policiais, trazendo grandes constrangimentos e sofrimentos aos cidadãos". "A carta contém absurdos. Fazer doação sem justificativa eu não posso mais?"
Para Mariz de Oliveira, as operações estão descritas "de forma pouco clara e confusa". "Tudo passa a ser lavagem. Na falta de um claro conceito busca-se atirar para todos os lados para atingir quem cometeu ou quem não cometeu esse crime. O que é movimentação atípica? Isso é subjetivo, cria insegurança jurídica. É o tacão do Estado sobre o cidadão. Jogam na vala comum gente de bem e gente que está praticando ilícito."
Fausto Macedo

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