sexta-feira, 19 de julho de 2013

STJ impede Fisco de usar dados de cartões

Uma decisão inédita do Superior Tribunal de Justiça (STJ) não admitiu a exclusão de uma microempresa do Simples Paulista com base apenas em dados obtidos na Operação Cartão Vermelho, deflagrada em 2007 pela Fazenda do Estado de São Paulo. Não cabe mais recurso.
Na operação, o Fisco cruzou informações obtidas por meio das administradoras de cartões de crédito e débito com as declaradas pelos contribuintes. Nos casos em que foram constatadas divergências, autuou as empresas por sonegação de ICMS.
A decisão é um importante precedente para os contribuintes autuados. Na época, 93,6 mil empresas foram notificadas, de acordo com a Fazenda paulista. Em 2006, essas companhias teriam declarado ao Fisco operações de aproximadamente R$ 11,2 bilhões e as administradoras de cartão informaram que, no mesmo período, repassaram R$ 24,2 bilhões para esses estabelecimentos. Isso gerou aproximadamente 1,3 mil notificações, nos casos que se entendeu haver indícios de sonegação fiscal.
Contribuintes, porém, questionaram a legalidade dessa operação. Para eles, só pode haver a quebra de sigilo fiscal com autorização judicial e após a instauração de processo administrativo. Como esses processos de investigação foram iniciados apenas com os dados da Operação Cartão Vermelho, não seriam válidos.
A Procuradoria-Geral do Estado (PGE) de São Paulo, por sua vez, argumenta que a operação está respaldada na Lei paulista nº 12.186, de 2006. A norma exige que o contribuinte autorize as administradoras de cartão de crédito a fornecer à Fazenda paulista os valores referentes às suas operações como requisito para enquadramento no Simples.
O ministro Herman Benjamin, do STJ, entendeu, no entanto, que a Secretaria da Fazenda de São Paulo (Sefaz-SP) não poderia se basear na Lei Estadual nº 12.186, de 2006, para autuar, multar ou desenquadrar empresa do Simples.
Segundo o ministro, a Operação Cartão Vermelho inverteu a lógica do levantamento do sigilo das operações financeiras. Isso porque o Fisco buscou os indícios de irregularidades antes mesmo de abrir os processos administrativos. "É patente a ilegalidade do processo administrativo e da consequente exclusão do Simples Paulista. Isso porque não se pode transformar a exceção em regra, com evidente inversão do ônus da prova: o contribuinte é tratado constantemente como investigado, ou culpado, e não como inocente", diz na decisão.
Para reforçar seu entendimento, Benjamin ainda ressalta que o Supremo Tribunal Federal decidiu recentemente sobre a impossibilidade de o Fisco quebrar sigilo fiscal sem autorização judicial. O caso foi analisado em 2010, pelo Pleno, que declarou inconstitucional o artigo 5º Lei Complementar nº 105, que autorizava a administração tributária a solicitar informações bancárias.
Para o advogado Périsson Andrade, sócio da Périsson Andrade Advogados, que defendeu a empresa no STJ, a decisão, juntamente com o julgado do STF, reforça a irregularidade da Operação Cartão Vermelho. "O Fisco, como principal interessado, não pode quebrar o sigilo do contribuinte sem decisão de um juiz", afirma. A Fazenda não recorreu para a 2ª Turma do STJ e o processo foi encerrado.
Segundo Andrade, os argumentos a favor dos contribuintes são fortes. " É bem provável que as empresas ganhem essa discussão." Para ele, a quebra de sigilo é ilegal e nem todas as companhias autuadas sonegaram impostos. Ele explica que há empresas de um mesmo grupo, por exemplo, que usam o mesmo CNPJ nas operações com cartões de crédito.
Em setembro de 2012, a Câmara Superior do Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) de São Paulo decidiu, por maioria, que são válidos os autos de infração lavrados durante a Operação Cartão Vermelho. Já no Judiciário, os contribuintes têm vencido na maioria dos casos no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP).
Para os advogados José Eduardo Toledo, do Gaudêncio, McNaughton e Toledo Advogados, e Horacio Villen Neto, do Magalhães, Villen & Ferreira Santos Sociedade de Advogados, a decisão do STJ, ainda que seja de apenas um ministro, traz um forte precedente para as empresas. Como as companhias não têm ganhado na esfera administrativa, todos esses processos devem desaguar no Judiciário. Porém, segundo Toledo, "se houve diferença no cruzamento dessas informações é porque há algo estranho e traz uma prova forte de sonegação". De qualquer forma, acrescenta, como essas provas foram obtidas com quebra de sigilo sem autorização judicial, essas autuações podem ser anuladas.
Por nota, a assessoria de imprensa da PGE de São Paulo informou que há diversos julgados favoráveis ao Fisco no TJ-SP. Porém, admitiu que esse é o primeiro caso analisado pelo STJ. Segundo a nota, "o Estado de São Paulo confia que a administração tributária nada mais fez do que atuar dentro dos limites traçados pela Constituição Federal (artigo 145 parágrafo 1º), ou seja, exerceu a atividade fiscalizadora que decorre de seu poder de polícia". Ainda acrescentou que "a vida financeira dos contribuintes de ICMS interessa ao Estado, não havendo que se falar em direito constitucional absoluto ao sigilo dessas operações".
A Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo também informou por nota que "em todos os procedimentos fiscais são observados os princípios constitucionais e as garantias do contribuinte, não representando ofensa ao sigilo financeiro". A Sefaz-SP ainda afirmou confiar "que o Poder Judiciário firmará jurisprudência pela legalidade da atuação fiscal decorrente da Operação Cartão Vermelho, conforme os precedentes [do TIT e do TJ-SP] já registrados".
Adriana Aguiar - De São Paulo

Confissão de dívida não impede restituição

A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o contribuinte tem o direito de pedir a restituição de tributo que decaiu antes da adesão a parcelamento. Para os ministros, a devolução do que foi pago de forma parcelada deve ser feita mesmo que a empresa tenha assinado uma confissão de dívida.
Como o caso foi julgado por meio de recurso repetitivo, deve servir de orientação para os demais tribunais. O entendimento também deve ser aplicado pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) - última instância da esfera administrativa -, que segue o que for julgado como repetitivo no STJ.
O caso envolve uma empresa de móveis que aderiu ao programa de Parcelamento Especial (Paes) em julho de 2003, quando firmou o documento de confissão de dívida. Na época, porém, segundo a defesa do contribuinte, os créditos tributários com fatos geradores ocorridos em 1997 e nos anos anteriores teriam decaído. Isso porque já teriam passado os cinco anos para a Receita Federal efetuar a cobrança, conforme o inciso I, do artigo 173, do Código Tributário Nacional (CTN). Como a companhia tinha assinado o termo de confissão de dívida, a Fazenda argumentou que não haveria direito à restituição.
Ao perceber que o caso envolvia uma questão emblemática, por haver diversas empresas em situação semelhante, o ministro relator Mauro Campbell Marques encaminhou o recurso para a 1ª Seção como repetitivo.
Segundo o ministro, como a decadência revoga o crédito tributário, segundo o artigo 156 do CTN, "uma vez extinto o direito, não pode ser reavivado por qualquer sistemática de lançamento ou auto-lançamento, seja ela via documento de confissão de dívida, declaração de débitos, parcelamento ou de outra espécie qualquer". Ele foi seguido pelos demais ministros e a empresa conseguiu garantir o seu direito à restituição.
Para o advogado tributarista Maurício Faro, do Barbosa, Müssnich & Aragão, a decisão é importante por demonstrar o entendimento dos ministros do STJ de que essa confissão de dívida não é absoluta. O julgado, segundo o advogado, deixa claro que nada tem validade se o crédito tiver decaído.
Esse mesmo raciocínio poderá ser aplicado para casos de leis sobre tributos que são consideradas inconstitucionais, de acordo com Faro. Esses impostos, se incluídos em parcelamentos que exigem a confissão de dívida, também poderão ser restituídos. "A confissão de dívida não vale para todos os casos e não pode se sobrepor a todos os atos", diz.
O advogado Vitor Krikor Gueogjian, do escritório Ratc e Gueogjian Advogados, ressalta que é comum empresas incluírem em parcelamentos dívidas tributárias que já decaíram. Isso porque as áreas fiscal e jurídica normalmente são separadas. Pode haver a inclusão pela área fiscal sem que o jurídico avalie a discussão judicial dessas dívidas e o prazo decadencial.
Para Gueogjian, a decisão pacifica o entendimento sobre a questão. Havia, segundo ele, julgamentos isolados no sentido de que a decadência já estava consumada no momento do parcelamento. "Agora, como foi analisado em caráter de recurso repetitivo, isso deve ser aplicado em outros casos, com mais segurança."
O coordenador-geral da Representação Judicial da Fazenda Nacional, João Batista de Figueiredo, informou por nota enviada ao Valor que a PGFN, inclusive, tem orientação de não mais contestar ou recorrer nessas situações, "por entender que a confissão do contribuinte não reabre o prazo decadencial já decorrido para o lançamento". Para Figueiredo, "de fato, a decadência é uma forma legal de extinção do crédito tributário e, por essa razão, é que eventual parcelamento posterior não torna existente crédito já extinto. Neste caso, deve ser desconsiderada a confissão de dívida que não mais existia".
Adriana Aguiar - De São Paulo

sábado, 13 de julho de 2013

Gilmar Mendes permite cessão de procurador a gabinete

Por Marcos de Vasconcellos
A procuradora da Fazenda Nacional Patrícia de Seixas Lessa já pode voltar ao cargo de assessora no gabinete do juiz federal Theophilo Antonio Miguel Filho, convocado ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, concedida na última sexta-feira (12/7) suspende outra decisão liminar, que havia sido dada pelo CNJ, determinando o afastamento de quaisquer procuradores que atuassem em gabinetes de magistrados no TRF-2.
O ministro explica que a decisão, assinada pelo conselheiro José Lúcio Munhoz, do CNJ, que determinou o afastamento dos procuradores, criou uma instabilidade institucional para o TRF-2. Segundo a nova liminar, a ordem dada pelo CNJ afeta tanto a imagem da corte quanto da própria servidora, bem como o bom funcionamento das atividades do tribunal.
Gilmar Mendes critica o raciocínio usado para determinar o fim da cessão de procuradores a gabinetes de juízes. Pela lógica usada na decisão do CNJ, “todos seriam suspeitos a priori, levando-se a concluir pela supressão de qualquer assessoria, o que não se coaduna com o sentido da função administrativa e da própria legislação e Constituição, que se pauta pela diretriz da confiança (limitada e controlada) nos servidores públicos (de cargos de provimento efetivo e de cargos de livre nomeação e exoneração)”, diz o ministro.
A decisão questiona ainda se o mesmo raciocínio poderia ser usado para a admissão de servidores vindos da advocacia, “com especialização nesta ou naquela área”, que pudessem influenciar intelectualmente o juiz.
O problema da influência dos procuradores sobre os magistrados deve, sim, ser analisado, segundo Mendes, mas isso deve ser feito e julgado “por meio das vias adequadas”, com dados concretos e embasados por fatos e provas. Segundo ele, o que não poderia ser feito é determinar a exoneração de um servidor ou proibir a cessão dele ao gabinete por decisão administrativa do CNJ, embasada em suposições e teses.
O ministro reconheceu que há o periculum in mora inverso, ou seja, com o afastamento, a imagem da servidora e do tribunal, bem como suas atividades, podem ser prejudicadas. Ele vê também o fumus boni iuris, a perspectiva do direito, isso porque há legislação federal que autorize a cessão de servidores públicos (Lei Complementar 73/93 e a Lei 8.112/90).
O pedido para afastar a decisão do CNJ foi feito pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), que entrou com Mandado de Segurança na última quinta-feira (11/7) pedindo que o Supremo suspendesse a decisão e definisse que órgão administrativo não pode interferir na discricionariedade administrativa de cada tribunal. A decisão de Mendes se deu como Medida Cautelar em Mandado de Segurança.
Decisão cumprida
No dia em que a decisão do CNJ foi concedida (26 de junho), o presidente do TRF-2, desembargador Sergio Schwaitzer, assinou o Ato TRF2-ATP-2013/00323, que exonerou a procuradora Patricia de Seixas Lessa a contar do dia 28 de junho.
Patricia foi convocada em 2011 para ser assessora do juiz Theophilo Miguel. Antes de assumir o cargo, atuou, pela Procuradoria da Fazenda Nacional, em Execução Fiscal de R$ 35 bilhões contra a mineradora Vale. Theophilo Miguel é relator do caso. Em maio do ano passado, o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, deferiu liminar que garantiu à mineradora não ter de depositar os R$ 35 bilhões exigidos pelo Fisco pelo menos por enquanto. No último mês de abril, o Plenário do STF referendou a liminar.
Na justificativa de sua liminar, o conselheiro José Lúcio Munhoz, relator do Procedimento de Controle Administrativo no CNJ, afirmou que a Lei 11.890/2008 não autoriza a cessão de procuradores a não ser para tribunais superiores e para o Supremo Tribunal Federal, o que motivaria a suspensão da procuradora pelo menos até o Conselho julgar o mérito do caso. Segundo a Advocacia-Geral da União, hoje cerca de 50 advogados da União e procuradores federais atuam como assessores só no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça. No dia seguinte à decisão de Lúcio Munhoz, o conselheiro Wellington Cabral pediu vista do processo.
O então procurador-geral da OAB-RJ e atual vice-presidente, Ronaldo Cramer, requereu a anulação de todos os atos normativos do TRF-2 que autorizem a cessão de procuradores da Fazenda Nacional para exercer cargo de assessoria em Turmas Especializadas em casos tributários na corte. O argumento é que a participação de procuradores viola o princípio da paridade de armas. “Um procurador da Fazenda cedido ao Tribunal Regional Federal não garantiria a paridade processual ao minutar um voto em uma demanda entre o cidadão contribuinte e a União”, diz a petição da OAB-RJ. Ao trabalhar como assessores, procuradores cedidos não se desvinculam institucionalmente das Procuradorias, apenas se licenciam.
Marcos de Vasconcellos é chefe de redação da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 13 de julho de 2013

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Alterações na Lei do PLR não devem reduzir autuações

As recentes alterações na norma que trata da Participação nos Lucros e Resultados (PLR) - a Lei nº 10.101, de 2000 - não devem reduzir o número de autuações fiscais contra empresas. Muitas vezes, a Receita Federal interpreta o valor como uma remuneração ao trabalhador. Segundo especialistas, apesar das mudanças, ainda há espaço na lei para o Fisco manter esse entendimento.
O PLR é uma alternativa que as empresas usam para complementar o salário de funcionários que alcançam metas pré-definidas. A carga tributária da participação nos lucros é reduzida porque não incide contribuição previdenciária. A Receita entende, porém, que se todos os requisitos da Lei nº 10.101 não forem cumpridos, há a configuração de remuneração e, por consequência, a incidência da contribuição ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
A Lei nº 12.832, publicada na semana passada, modifica a Lei nº 10.101. A principal novidade da norma é a previsão de isenção do Imposto de Renda (IR) para o PLR de até R$ 6 mil. Acima desse valor, há uma tabela progressiva que vai de 7,5% a 27,5% do imposto, conforme o valor pago.
O advogado Vinícius Branco, do escritório Levy & Salomão Advogados, entende que a nova lei não traz regras claras e objetivas sobre como o PLR deve ser elaborado com segurança jurídica. "O único dispositivo da Lei nº 12.832 que pode diminuir a chance de autuações é o que diz que o PLR pode ser distribuído duas vezes no ano com intervalo de três meses. Antes, o intervalo deveria ser de seis meses", diz.
Há casos, por exemplo, em que a Receita Federal autuou o contribuinte porque o sindicato que participou da negociação não assinou a versão final do acordo, ou a empresa chamou o sindicato para participar, mas nenhum representante da entidade compareceu.
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) - última instância administrativa para julgar recursos contra autuações da Receita Federal - deve julgar processos que abordarão detalhes como esses neste ano.
Em 2010, a Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) do Carf anulou um auto de infração milionário aplicado à construtora Andrade Gutierrez. Na época, os conselheiros do órgão entenderam que a companhia cumpriu os requisitos exigidos pela Lei nº 10.101 e, por isso, os pagamentos não poderiam ser considerados verbas salariais, como alegava o Fisco.
Para o advogado Leonardo Mazzillo, do escritório W Faria Advocacia, a nova lei deverá impactar mais a vida dos trabalhadores do que a atividade das empresas. "A única coisa na vida das empresas que muda é a necessidade de adaptação dos sistemas para que as retenções [do Imposto de Renda] ocorram conforme a nova lei", afirma.
Laura Ignacio e Bárbara Mengardo - De São Paulo

O equilíbrio necessário na Lei de Improbidade

A Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92) é uma das grandes conquistas sociais na luta pela moralidade na administração pública. Desde que foi editada, em 1992, vem sendo utilizada como meio de limitar a ação dos maus gestores. Para o STJ, entretanto, não se pode punir além do que permite o bom direito. As sanções aplicadas devem estar atreladas ao princípio da proporcionalidade.
Esse princípio tem seu desenvolvimento ligado à evolução dos direitos e garantias individuais. Ele garante a proibição do excesso e exige a adequação da medida aplicada. De acordo com Roberto Rosas, no estudo Sigilo Fiscal e o Devido Processo Legal, o princípio da proporcionalidade pode ser entendido como o próprio estado de direito, que se vai desdobrar em vários aspectos e requisitos.
A solução adotada para efetivação da medida deve estar de acordo com os fins que justificam sua adoção. “É o meio e fim”, afirma Rosas.
No que se refere à Lei de Improbidade, de acordo com a jurisprudência do STJ, cabe ao magistrado dosar as sanções de acordo com a natureza, gravidade e consequências do ato ímprobo. É indispensável, sob pena de nulidade, a indicação das razões para a aplicação de cada uma das sanções, levando em consideração os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (REsp 658.389).
Premissa
O objetivo da lei é punir os maus gestores. Mas para configurar a conduta, o STJ considerou que a má-fé é premissa básica do ato ilegal e ímprobo. Em um julgamento em que se avaliava o enquadramento na lei pela doação de medicamentos e produtos farmacêuticos entre prefeitos, sem observância das normas legais, os ministros entenderam que não se deve tachar de ímprobas condutas meramente irregulares, suscetíveis de correção administrativa.
No caso analisado pelo Tribunal, o município de Avanhandava (SP) enfrentou surto epidêmico pela contaminação da merenda escolar. O município foi ajudado pela prefeitura de Diadema, que doou medicamentos e produtos farmacêuticos, sem autorização legislativa.
O Ministério Público de São Paulo pediu inicialmente o enquadramento do prefeito de Diadema, do ex-prefeito de Avanhandava e da então secretária de saúde no artigo 10 da Lei de Improbidade, com o argumento de que a conduta causou prejuízo ao erário. O tribunal local tipificou a conduta no artigo 11, com a justificativa de que a conduta feriu os princípios da administração pública (REsp 480.387).
O STJ reafirmou o entendimento de que a ilegalidade só adquire status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da administração pública coadjuvados pela má-fé. No caso, não houve má-fé, e por isso não houve condenação.
Dosimetria da pena
Os atos de improbidade estão enumerados nos artigos 9º, 10 e 11 da Lei 8.429. Na lei, estão dispostos em três blocos, que tipificam aqueles que importam enriquecimento ilícito, aqueles que causam prejuízo ao erário e aqueles que atentam contra os princípios da administração pública.
As sanções estão arroladas nos incisos de I a III do artigo 12. Entre elas, estão previstas a suspensão de direitos políticos, que pode variar de três a dez anos; a perda da função pública, o pagamento de multa, o ressarcimento ao erário e a proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais pelo prazo de três a dez anos, dependendo do enquadramento da conduta.
O STJ tem o entendimento de que as penas previstas no artigo 12 não são cumulativas, ficando a critério do magistrado a sua dosimetria. Esse entendimento vigora mesmo antes do advento da Lei 12.120/09, que alterou o caput desse artigo da Lei 8.429 para estabelecer que as penas possam ser aplicadas isoladamente.
Diz o artigo 12, em sua nova redação, que o responsável pelo ato de improbidade, independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas em legislação específica, está sujeito a diversas cominações, que podem ser aplicadas “isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato”.
À época do julgamento do REsp 534.575, em 2004, e antes da Lei 12.120, a ministra Eliana Calmon apontava que era insatisfatória a organização do sistema sancionatório da Lei 8.429, por ter agrupado, em uma mesma categoria, infrações de gravidade variável, em blocos fechados de sanções que não obedeciam a um critério adequado (REsp 534.575).
No artigo 21, a alteração da Lei 12.120 fez constar que a aplicação das sanções previstas independe da ocorrência de dano ao patrimônio público, salvo quanto à pena de ressarcimento; e da aprovação ou rejeição das contas pelo órgão de controle interno ou pelo Tribunal ou Conselho de Contas.
Ação especialíssima
A ação de improbidade é instrumento em que se busca responsabilização. Segundo o ministro Luiz Fux (hoje no Supremo Tribunal Federal), em um dos seus julgados, a ação tem natureza especialíssima, qualificada pela singularidade do seu objeto, que é aplicar penalidade a administradores ímprobos e outras pessoas, físicas ou jurídicas, que com eles se acumpliciam.
Na prática, trata-se de ação de caráter repressivo, semelhante à ação penal e diferente de outras ações com matriz constitucional, como a ação popular, cujo objetivo é desconstituir um ato lesivo, ou a ação civil pública, para a tutela do patrimônio público, cujo objeto é de natureza preventiva, desconstitutiva ou reparatória (REsp 827.445).
Relativamente à aplicação das sanções, o STJ tem entendimento de que, não havendo enriquecimento ilícito nem prejuízo ao erário, mas apenas inabilidade do administrador, não são cabíveis as punições previstas na Lei de Improbidade, que, segundo a jurisprudência, alcança o administrador desonesto, não o inábil (REsp 213.994).
Para o STJ, ato administrativo ilegal só configura improbidade quando revela indícios de má-fé ou dolo do agente. No julgamento de um recurso, a Segunda Turma não reconheceu ilicitude em ação movida contra ex-prefeita de São João do Oriente, pequeno município localizado no leste de Minas Gerais, que se esqueceu de prestar contas das três últimas parcelas de um convênio – firmado com o governo estadual – para a construção de escola (REsp 1.140.544).
A ex-prefeita foi acusada de causar prejuízo ao município por meio de conduta omissiva. A irregularidade fez com que o município fosse inscrito no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) do governo federal, o que causou restrições à assinatura de novos convênios.
Ao julgar a matéria no STJ, a ministra Eliana Calmon alertou para o texto literal do artigo 11, inciso VI, da Lei 8.429, que dispõe que constitui ato de improbidade deixar de prestar contas quando o agente público estiver obrigado a fazê-lo. No entanto, a simples ausência dessa prestação não impõe a condenação do agente, se não vier acompanhada da “comprovação de elemento subjetivo, a título de dolo genérico” – ou seja, se não forem demonstrados indícios de má-fé.
Prejuízos ao erário
O entendimento da Corte é que a aplicação das penalidades previstas no artigo 12 exige que o magistrado considere, no caso concreto, a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.
“Assim, é necessária a análise da razoabilidade e proporcionalidade em relação à gravidade do ato de improbidade e à cominação das penalidades, as quais não devem ser aplicadas, indistintamente, de maneira cumulativa”, destacou no julgamento de um recurso o ministro Luiz Fux (REsp 713.537)
Não retroage
O STJ firmou jurisprudência no sentido de que a Lei de Improbidade não retroage nem para efeitos de ressarcimento ao erário. A Segunda Turma rejeitou recurso do Ministério Público Federal em ação contra o ex-presidente e atual senador Fernando Collor de Mello.
O órgão ministerial pedia a condenação do ex-presidente a reparar supostos danos ao erário causados por atos cometidos antes da vigência da lei, mas após a promulgação da Constituição de 1988.
Por maioria, a Turma, seguindo o voto do ministro Castro Meira, entendeu que a Lei de Improbidade não pode ser aplicada retroativamente para alcançar fatos anteriores à sua vigência.
O ministro Humberto Martins, que acompanhou essa posição, destacou em seu voto-vista que, para os fatos ocorridos antes da entrada em vigor da lei, é possível o ajuizamento de ação visando ao ressarcimento de prejuízos causados ao erário, mas a ação deve ser baseada no Código Civil de 1916 ou qualquer outra legislação especial que estivesse em vigor à época (REsp 1.129.121).
A regra é que uma lei disciplina os fatos futuros e não os pretéritos, salvo se expressamente dispuser em sentido contrário, não podendo, de forma alguma e sob nenhum pretexto, retroagir para prejudicar direitos e impor sanções.
REsp 658389 - REsp 480387 - REsp 534575 - REsp 827445 - REsp 213994
REsp 1140544 - REsp 713537 - REsp 1129121

Disponibilização de documentos públicos deve ser feita via lei de acesso à informação

A 25ª vara Federal de São Paulo acolheu os argumentos da AGU e entendeu que a lei de acesso à informação 12.527/11 permite o acesso aos documentos públicos mediante pedido do interessado, observados os requisitos legais, não havendo necessidade de acionar a Justiça para obter o conhecimento do seu teor. Esse entendimento também é valido para documentos produzidos no período militar.

Em ACP, o MPF questionou o sigilo dado a documentos públicos federais, em especial aqueles produzidos no período militar de 1964/1968, e queria que a União fosse obrigada a exibir todos esses documentos.

A Procuradoria-Regional da União da 3ª região (PRU3) atuou no caso e destacou as regras da lei de acesso à informação que regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do artigo 5º, no inciso II, do parágrafo 3º, do artigo 37 e no parágrafo 2º do artigo 216 da CF.

A unidade da AGU ressaltou que a lei de acesso à informação e seus regulamentos se aplicam inclusive a documentos produzidos durante a ditadura militar. A publicação desses documentos é direito não somente dos familiares dos perseguidos politicamente, revelando-se, também, uma exigência que decorre de dois fundamentos da República Federativa do Brasil: cidadania e dignidade da pessoa humana.

Além disso, os advogados da União apresentaram estudo sobre a lei de acesso à informação, elaborado pela Consultoria Jurídica do Ministério da Defesa, expondo as razões pelas quais deveria ser reconhecida a perda do objeto da ação, por falta de interesse de agir, extinguindo a ação sem julgamento do mérito. Destacaram, ainda, que foram totalmente revogados os critérios e os prazos não definidos de classificação de documentos, bem como as demais incompatibilidades legais e constitucionais apontadas pelo MPF.

A AGU reforçou, ainda, que a própria CF assegura a todos o direito de receber, dos órgãos públicos, informações de interesse particular ou de interesse coletivo/geral, que deverão ser prestadas no prazo da lei, salvo aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.

A procuradoria da AGU também explicou que as restrições de acesso a documentos públicos, previstas na lei de acesso à informação, são compatíveis com a CF e observam prazos máximos fixados na lei e no regulamento. Por isso, explicou que não há necessidade de acionar a Justiça para obter acesso aos documentos, mesmo aqueles produzidos durante regime de exceção.

Diante disso, os advogados pediram ao Judiciário a extinção da ação sem o exame do mérito, considerando a vigência de novas normas relativas ao sistema jurídico de acesso à informação que, em especial, traz expressas vedações à negativa de informação e à restrição de acesso a informações e documentos que versem sobre condutas que impliquem violação dos direitos humanos praticada por agentes públicos ou a mando de autoridades.

A decisão destacou que devido as relevantes modificações no país sobre esse tema, o caso não está mais presente "no binômio necessidade-adequação, já que os impedimentos para pretensão do MPF foram revogados e não existem mais".

Proc. ACP 0001616-28.2004.4.03.6118

TJ-SP mantém licitação para fabricar trens da CPTM

Em votação unânime, a 9ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, negou provimento ao recurso (AI 0100184-13.2013.8.26.0000) e revogou liminar concedida para suspensão da sessão pública de recebimento dos envelopes de propostas e documentos na licitação de projeto e fabricação de 65 trens da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM).

No primeiro momento, a CAF Brasil Indústria e Comércio e Alstom Brasil ingressaram com Mandado de Segurança contra o presidente da Secretaria de Transportes Metropolitanos, o diretor-presidente da  CPTM, o gerente de Contratações e Compras CPTM e o presidente da Comissão Especial de Licitações da Concorrência Internacional 8085132011 buscando obter liminar para a suspensão da disputa.

Elas alegavam que, ao instituir regimes tributários diferenciados para licitantes estrangeiros e nacionais, o edital viola a isonomia favorecendo aqueles em detrimento destes e do fomento ao desenvolvimento nacional.

"Não há confundir isonomia com protecionismo, nem tampouco priorizar o interesse de fornecedores nacionais em detrimento do interesse público", afirmou o desembargador Décio Notarangeli ao revogar a liminar. Segundo ele, o mecanismo adotado licitação obriga indistintamente os licitantes nacionais e estrangeiros a considerar as imunidades da Secretaria de Transportes Metropolitanos quando da elaboração de suas propostas, bem como incluir no preço ofertado também os custos indiretos — como impostos, tributos, encargos e taxas.

O processo (MS 0020127-43.2013.8.26.0053), em andamento na 1ª Vara da Fazenda Pública, teve a liminar indeferida pelo juiz Sergio Serrano Nunes Filho sob a fundamentação de que  "a verossimilhança das alegações dos impetrantes depende de contraditório e não se vislumbra, por ora, perigo concreto de dano irreparável, uma vez que sequer houve o recebimento e abertura das propostas, não havendo que se falar, portanto, em prejuízo à impetrante na atual fase do certame".

Insatisfeitas com o resultado, as empresas autoras deram entrada no Plantão Judiciário de 2ª Instância onde tiveram a liminar concedida. Porém, ao ser distribuído à Câmara, o relator do processo, desembargador Décio Notarangeli, da 9ª Câmara de Direito Público, revogou a liminar, negando provimento ao agravo e confirmando a decisão de primeira instância.

AGU impede que concessionária do Rio Grande do Sul realize reajuste da tarifa de energia elétrica sem a aprovação da Aneel

A Advocacia-Geral da União (AGU) demonstrou, no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), que o reajuste na tarifa de energia elétrica necessita exclusivamente da aprovação dos valores pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
O caso foi levado para o Tribunal, após a Companhia AES SUL Distribuidora Gaúcha de Energia Elétrica, com sede na capital gaúcha, Porto Alegre, entrar com recurso para anular decisão que reconheceu a legitimidade da agência reguladora de impedir o reajuste, sem a devida análise dos valores apresentados.
A Distribuidora alegava que a alteração no valor da tarifa de energia teria de ter aplicação imediata, já que a autarquia não se manifestou sobre o pedido de revisão tarifária no prazo de 30 dias fixado na Lei nº 9.427/96 e, por isso, o reajuste deveria ser automático.
A Procuradoria-Regional Federal da 1ª Região (PRF1) e a Procuradoria Federal junto à Agência (PF/Aneel) rebateram as alegações e destacaram que o prazo de 30 dias somente corre a partir do momento em que estiver concluída a instrução, o que não foi o caso. As procuradorias sustentaram que o termo de imediata aplicação contida no parágrafo 2º do artigo 15 da Lei nº 9.427/96 deve ser interpretado em conformidade com o princípio da motivação dos atos administrativos, de modo que a "imediata aplicação" não dispensa justificativa expressa e suficiente, por meio de "ato específico da Aneel, que autorize a aplicação de novos valores".

Art. 15.  Entende-se por serviço pelo preço o regime econômico-financeiro mediante o qual as tarifas máximas do serviço público de energia elétrica são fixadas:

[...]

IV - em ato específico da ANEEL, que autorize a aplicação de novos valores, resultantes de revisão ou de reajuste, nas condições do respectivo contrato.

§ 1o A manifestação da ANEEL para a autorização exigida no inciso IV deste artigo deverá ocorrer no prazo máximo de trinta dias a contar da apresentação da proposta da concessionária ou permissionária, vedada a formulação de exigências que não se limitem à comprovação dos fatos alegados para a revisão ou reajuste, ou dos índices utilizados.

§ 2o A não manifestação da ANEEL, no prazo indicado, representará a aceitação dos novos valores tarifários apresentados, para sua imediata aplicação.


A 1ª Turma Suplementar do TRF1 negou o pedido da concessionária de energia. O Tribunal reconheceu que seria absurdamente contraditório admitir o suprimento da exigência de motivação expressa pelo simples silêncio da Administração, já que o impedimento da Aneel tem o objetivo de permitir o controle social do Estado necessário para impedir reajustes indevidos no valor pelo fornecimento de energia elétrica ao usuário.
A PRF1 e a PF/Aneel são unidades da Procuradoria-Geral Federal, órgão da AGU.
Ref.: AMS 0013424-95.2001.4.01.3400 / DF - TRF1